As perseguições no início do movimento pentecostal na região, a partir dos registros históricos do professor Gedelias Souza
CARATINGA- “A pureza e o vigor dos primeiros crentes Pentecostais, os quais, mesmo coagidos, foram fiéis até o fim”. Assim está descrito o livro ‘A Semente do Sangue’, de autoria de Gedelias de Souza Moreira. O escritor, natural de Vargem Alegre, lançou mão de seguros registros históricos e colheu depoimentos para trazer um conteúdo de 189 páginas sobre vários acontecimentos que abalaram a região, em uma época de perseguição com truculência.
Gedelias é graduado em Letras pelo Centro Universitário de Caratinga (Unec). Há 14 anos atua como professor da rede pública de ensino. Ele afirma ter “ouvidos ávidos para histórias”, pois sempre foi um menino questionador. Procurou, ainda na adolescência, registros da inauguração, fundação e criação da igreja que frequentava, já pensando em construir uma obra literária narrando a vida de homens e mulheres que fundaram, principalmente, as assembleias de Deus na região.
O trabalho aos poucos foi ganhando colaboradores, que contribuíam com fotos, biografias e datas. Conforme o autor, foram 14 anos até a publicação do livro, sendo aproximadamente nove somente de pesquisa. O lançamento está previsto para a véspera do aniversário de Vargem Alegre, 19 de março, na Câmara Municipal da cidade. “Venho com esta obra inédita, riqueza cultural, com fotos, biografias, registro de como surgiu o trabalho pentecostal em Caratinga e região. Qualquer coisa que se vá fazer tem os tropeços, então esbarrei com algumas dificuldades no decorrer desse lançamento. E ao final, fui agraciado, as pessoas me motivaram; tive despesas para fazer, mas, ao mesmo tempo, encontrei pessoas que abraçaram a ideia e ajudaram”, declara.
Em entrevista ao DIÁRIO DE CARATINGA, Gedelias fala sobre o trabalho minucioso de pesquisa, explica a frase que dá título à obra e fala sobre o sentido da ilustração da capa, assinada pelo cartunista Edra.
‘A Semente do Sangue’ é seu primeiro livro. Por que escolheu este tema e como ele marcou a época?
É um livro que fala sobre os primeiros cristãos na região de Caratinga. Esses irmãos sofreram amargamente com perseguições. Fez me lembrar de Roma, do Coliseu, da Festa Pão e Circo, da peregrinação missionária de Pedro e de Paulo; porque estes irmãos foram açoitados, apedrejados e mortos. E os primeiros que iniciaram o trabalho na nossa região foram da mesma forma; tivemos situações de alguns que se renderam à fé e não puderam ser sepultados, porque o cemitério não era de crente, não era para atendê-los. Alguns trabalhos que eram feitos na praça que não podiam acontecer, eles estavam com tudo para começar e foram impedidos. Pedras foram lançadas em templos; cornetas onde transmitiam músicas ou anúncios, eles davam tiros. No início foi muito difícil, ia com a bíblia para a igreja, era rapadura debaixo do braço. O irmão pronunciava aleluias, gritavam: ‘farinha na cuia’; a paz do senhor: ‘não, não passeei não’. Essas expressões discriminatórias, difamatórias, aconteciam no passado. Hoje nós somos respeitados, hoje a igreja é respeitada pelo Estado, pelas autoridades, mas no passado não. Eles eram instigados a fazer esse tipo de trabalho: ‘Vai lá, joga pedra. Lança pedra sobre o templo’. Jogavam foguetes, o tal de ‘cabeça de nego’, debaixo do assoalho. Os crentes estavam lá orando, louvando, lendo a bíblia e soltavam foguete para prejudicar o trabalho. Eu falo de várias igrejas, não falo só das Assembleias de Deus, falo da Igreja Batista, Metodista, Presbiteriana; para depois falar dos primeiros pentecostais na região de Caratinga, que iniciaram seu trabalho em 1937.
Então, é uma obra com relatos regionais?
Sim. Quando fui para saber da minha terra, sobre como o trabalho começou, tive indicações de ir à casa de pastores, irmãos e quando eu chegava eles diziam que pertenciam ao trabalho de Caratinga, por exemplo. Ou que foi batizado no tanque batismal da irmã Carneira no Bairro Santa Cruz. Então pensei que nós precisávamos de fazer um trabalho que viesse a mostrar como começou em Caratinga, Vargem Alegre, Entre Folhas, São Cândido…
Como foi realizar este trabalho tão intenso de pesquisa?
Deu muito trabalho. Arquivos, tenho uma caixa só com fotos, jornais e textos. Várias vezes, o próprio computador deu defeito, tive que começar tudo de novo. É um duro ofício o trabalho de escritor, respeito aquele que faz. Não coloquei um ponto final, quem quiser dar continuidade é com maior prazer, esse trabalho é apenas o início. E foi com muita dificuldade que cheguei até aqui, foi um trabalho muito melindroso, evitei entrar em doutrinas, ser tacanho, porque hoje é muito diferente. Às vezes você fala e as pessoas interpretam de outra forma, é uma maneira até de conduzir as palavras. A Assembleia de Deus em Caratinga começou com negros e analfabetos, pensa como eles eram criticados. Hoje não, temos pessoas com grau de conhecimento, o trabalho mudou, na Rua Princesa Isabel, número 52, temos lá um bom templo, pessoas que ali trabalham são intelectuais, de conhecimento e são mais de 15.000 membros sob a direção do campo de Caratinga. Às vezes as pessoas não entendem, mas o ministério é muito vasto, são 600 km, contempla várias cidades adjacentes. Aqui tem o pastor-presidente e têm os pastores que andam sob a ordem dele, que estão em várias cidades.
Como o livro já tem repercutido entre os evangélicos?
Fui muito perguntado, as pessoas sempre me perguntavam, me cobravam, queriam ver e ler. Às vezes eu entrava para tomar um café: ‘Cadê o livro, sai ou não sai?’, ‘Estou curioso’. Eu respondia: ‘Está no forno, em breve vai sair a primeira edição’. Isso só me motivava a escrever, eu estava mexendo e pensava que eu tinha que dar um jeito. Juntei todas as informações, visitei alguns gabinetes de pastores até chegarmos a esta obra, que está prestes a ser lançada.
A ilustração do cartunista Edra que estampa a capa, retrata uma igreja. O que essa imagem representa?
O Edra tem o grafite, a pena, a tinta, nasceu para diagramar, ilustrar, um cartunista. Ele fez a arte e me mandou quatro para eu fazer a minha escolha. Falei que eu não tinha como escolher, todas ficaram maravilhosas, muito bem descritas, fiquei emocionado, não sabia como falar com ele. Eu queria todas, sem exceção. Ao escolher o título, eu quis voltar às origens, ao passado. Não temos como viver o presente, sem voltar ao tempo e sou muito voltado à questão nostálgica e voltando ao tempo, recorri a algumas fotos, apresentei pra ele, que falou: ‘Essa aqui vou segurar, para eu ilustrar’. É um templo que você vê em córrego, bairro e cidades. Em qualquer canto do País que for, qualquer região do Estado, encontra assembleias de Deus. Ela se abrasileirou, vieram pelos suecos em 1910, embarcaram em Belém do Pará, provindos dos Estados Unidos, porque esse Pentecostes que vocês hoje conhecem é dos Estados Unidos. Eles foram disciplinados lá em 1909 e em trabalho de vigília, oração, eles conheceram Belém do Pará pelo mapa, onde chegaram em um período da manga, novembro/dezembro; sem condições, porque falavam mal o português. Daniel Berg e Gunnar Vingren foram os missionários que introduziram o maior movimento pentecostal da história, que são as assembleias de Deus.
A corneta na imagem também chama atenção…
Interessante que descobri lendo o livro 1808, com a chegada de Dom João ele só fez um pedido, que os templos evangélicos não poderiam ter torre. Torre era só para as igrejas católicas. Os templos evangélicos não têm torre, os que tinham pediram para tirar. Hoje não pode muito corneta, questão do silêncio, acho até que é uma forma não educada, o barulho que faz no bairro ou na cidade, mas é uma utilidade pública. E lá na minha cidade foi alvo de muitas críticas, tivemos a situação lá que um policial estava assistindo novela lá pelas alturas de 84/85, ele parou o pastor que estava anunciando a música em um alto falante da igreja. Por isso trago na foto da capa o alto- falante. Ele falou que ia dar um tiro, porque estava prejudicando ele assistir à novela da tarde. Então, era sempre uma situação para poder prejudicar. Estavam orando, lançavam pedras; ia fazer um desfile, embargava. Me desculpem se estou ofendendo com estas palavras, com esta forma de dizer, porque hoje estamos mais civilizados, entendemos perfeitamente o que é e temos a garantia na lei, de expressar a nossa fé. Mas, no passado queriam amordaçar a voz daqueles fiéis.
Gedelias, agradecemos a entrevista. Quais são suas considerações finais?
Ficarei muito grato com a presença no lançamento, vai me honrar e me engrandecer. É tão interessante fazer, ver o outro ler, mesmo que venham críticas. Mas vou receber todas, para me preparar para os próximos livros. Estão todos convidados à leitura, trago uma referência bibliográfica bem rasa, porque são mais textos meus. E a linguagem é bem acessível.