*Warny Marçano
O cinema no Brasil passou por fases de altos e baixos ao longo de 120 anos de história. Porém, nos anos 80 até o início dos anos 90, o declínio parecia ser cada vez mais alto. Durante o período Collor, diversos órgãos referentes à cultura e particularmente ao cinema foram extintos. Em 1992, vemos apenas um único filme brasileiro chegar aos cinemas: “A Grande Arte”, de Walter Salles, mesmo assim falado em inglês e ocupando menos de 1% da fatia do mercado na época.
O cinema nacional renasceu a partir de dezembro de 1992 com incentivos fiscais e mecanismos que fizeram a produção nacional se multiplicar tanto em quantidade quanto em qualidade. Os filmes que iniciaram este período foi “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil”, de Carla Camurati, além de “O Quatrilho”, de Fábio Barreto, que foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. A partir de então, vários novos cineastas foram surgindo, estimulados pela nova fase que o cinema estava vivendo, culminando na renovação de público das produções nacionais nos cinemas e grandes sucessos internacionais, como “Central do Brasil” e “Cidade de Deus”. Listamos abaixo oito filmes do período atual, desde a Retomada (1992-2003) até a pós-Retomada (2003-atualmente), que consolidaram o sucesso do crescimento do cinema nacional.
CENTRAL DO BRASIL (De Walter Salles – Com Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira, Marília Pêra, Othon Bastos – Drama / 1998)
Um garoto que pretende encontrar suas raízes e uma mulher que busca uma segunda chance se
juntam em um road-movie que trata de amizade e compaixão. A obra franco-brasileira de Walter
Salles abriu as portas para uma carreira internacional e que valeu duas indicações ao Oscar, inclusive de melhor atriz para Fernanda Montenegro. Com roteiro de João Emanuel Carneiro, o filme ganhou o Globo de Ouro, o Urso de Ouro no Festival de Berlim e o BAFTA, dentre outros prêmios.
ABRIL DESPEDAÇADO (De Walter Salles – Com Rodrigo Santoro, Caio Junqueira, José Dumont, Rita Assemany – Drama / 2001)
O diretor Walter Salles mostra lirismo e dramaticidade numa história de vingança entre duas famílias no
sertão nordestino. Rodrigo Santoro, com atuação brilhante, começa a despertar atenção internacional. A produção conta com belo roteiro e fotografia primorosa. Aprofundando temas que parecem estar entre seus preferidos, como ausência e inconformidade, ele catalisa ódios e angústias em um turbilhão de sentimentos numa terra seca e desolada.
CIDADE DE DEUS (De Fernando Meirelles – Com Matheus Nachtergaele, Alexandre Rodrigues, Seu Jorge, Leandro Firmino da Hora – Drama / 2002
A história de um adolescente que sonha em ser fotógrafo em meio a uma verdadeira guerra entre traficantes e policiais mostra o quanto algumas decisões são importantes e que às vezes o ambiente não é o único meio que define personalidades. Meirelles ousa nas cenas de ação e conduz a câmera com tanta agilidade e maestria, que virou referência para muitos diretores. Cidade de Deus é a saga de um lugar que, ao longo de décadas, o bem e o mal coexistem em um redemoinho de incertezas e reviravoltas. Indicado a 4 Oscars e vencedor do Urso de Ouro. Revelou o cantor Seu Jorge e figura entre os 21 melhores filmes do mundo segundo os leitores do maior site de cinema mundial, o IMDB.
BICHO DE SETE CABEÇAS (De Laís Bodanzky – Com Rodrigo Santoro, Othon Bastos, Cássia Kiss, Caco Ciocler – Drama / 2003)
A trama conta a história real de um jovem que, ao se deparar com o vício em drogas, acaba sendo internado em um sanatório, onde sofre com torturas e tratamentos questionáveis. Com atuação brilhante de Rodrigo Santoro, que depois disso já garantiu passaporte para Hollywood, a trama chama atenção para a decadência que as drogas podem levar à juventude, algo tão brutal que se pode colocar o filme sob influência de clássicos do gênero como “Trainspotting” e “équiem Para Um Sonho”.
REDENTOR (De Cláudio Torres – Com Pedro Cardoso, Miguel Falabella, Rogério Fróes, Stenio Garcia
Drama / 2003)
Falcatruas, traições, críticas sociais e políticas estão nesse surpreendente filme, uma comédia dramática com efeitos especiais excelentes para os padrões brasileiros. A trama se aproxima da realidade com a abordagem de vários problemas tipicamente brasileiros como a corrupção e o descaso com as classes mais desfavorecidas da população. Com um orçamento de 6,5 milhões de reais e quase 8 anos de produção, o filme é sinônimo de ousadia e originalidade.
O CHEIRO DO RALO (De Heitor Dhalia – Com Selton Mello, Leonardo Medeiros, Susana Alves, Lourenço Mutarelli – Drama / 2006)
A história de Lourenço, personagem antológico de Selton Mello, um ser antipático que é dono de uma loja onde compra objetos de valor de pessoas necessitadas. Sua vida mesquinha e egoísta encontra um poder ainda maior ao humilhar seus clientes. Mas o cheiro do ralo não deixa que ele esqueça que sua vida vai ficando cada vez mais podre. Sua obsessão por um olho de vidro e por uma garçonete só vai aumentando assim como as discussões existencialistas que vão surgindo a cada cena. Interpretações magistrais e roteiro alternativo acrescentam a profundidade dessa surpreendente trama que pôs de vez Selton Mello pisando fundo no cinema nacional.
TROPA DE ELITE (De José Padilha – Com Wagner Moura, Caio Junqueira, André Ramiro, Fernanda Machado – Ação / 2007)
Capitão Nascimento está prestes a se aposentar do BOPE, mas antes precisa decidir quem será seu substituto, entre dois jovens amigos: um sério, inteligente e estrategista, mas cauteloso e sem ação; e outro inconsequente, mas astucioso e ágil. O filme redescobriu o gênero de ação entre os filmes nacionais e conseguiu a proeza de gerar uma espécie de herói nacional na figura do protagonista da trama, interpretado por Wagner Moura, cuja carreira decolou, em filmes americanos como “Elysium” e na série americana “Narcos”, junto com o diretor José Padilha. Em 2010, saiu a sequência do grande sucesso: Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro.
SANEAMENTO BÁSICO – O FILME (De Jorge Furtado – Com Fernanda Torres, Wagner Moura, Camila Pitanga, Bruno Garcia, Paulo José, Lázaro Ramos – Comédia / 2007)
Grupo de moradores de uma cidade pequena do Sul decide se juntar para resolver o problema de saneamento básico do local. Mas veem como única solução o arrecadamento de fundos com a realização de um filme de ficção. Furtado prova porque é um dos maiores cineastas brasileiros da atualidade, com cenas hilárias e emocionantes, extraindo da ingenuidade uma série de críticas sociais, além de mostrar as dificuldades encontradas por quem decide seguir pela carreira de cinema no país.
*Warny Marçano é blogueiro do WCinema (www.wcinema.blogspot.com), composto por resenhas de filmes e notícias em geral da sétima arte.
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