Margareth Maciel de Almeida Santos
Advogada e doutoranda em Ciências Sociais.
Pesquisadora CNPQ.
Toda semana compro frutas de um senhor, que fica na esquina próxima de onde moro. Aproveito o horário, 20h, quando estou chegando da faculdade, ainda o encontro vendendo suas frutas. Gosto muito de conversar com ele. Eu penso que a vida lhe ensinou muito e admiro a forma de como ele vê os fatos que acontecem ao seu redor. Esta semana estávamos conversando quando uma pessoa, ou melhor, um homem, passa desesperado por nós, falando em voz alta que acabava de ser demitido. O Sr. Sebastião, que me vende frutas, comentou comigo que as pessoas estão doidas, pois a cada dia que passa, ele observa como estão ansiosas, frustradas, e que muitas vezes param perto de sua banca, ficam a olhar o celular, depois fazem um pequeno comentário e saem desesperadas. Achei interessante o comentário que ele me fez: “-São tantas as notícias que impactam as pessoas, é só notícias ruins, elas não aguentam saber de tantos bombardeios que acontecem, acumulam tanta coisa e ficam desorientadas”.
Pode-se argumentar que as inovações tecnológicas trouxeram mudanças sociais, pois o aumento da informatização, o consumo, os efeitos da globalização contribuíram para moldar a sociedade na qual vivemos hoje. Não sei dizer se estamos numa era pós-moderna e pós-industrial, ou se existe uma continuação do processo de modernidade.
Você poderia nos explicar melhor, esse conceito de modernidade?
Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, ensina que a modernidade líquida é a época atual em que vivemos. É uma época de liquidez e incerteza. Para ele, “no mundo líquido-moderno, não interessa se há vítimas das ações políticas e econômicas. As perdas são naturalizadas, sendo as próprias vítimas culpabilizadas por sua exclusão. A indiferença em relação ao outro, talvez seja consequência do declínio do julgamento ético nas relações humanas, como se as autoridades lavassem as mãos diante da exclusão, por considerar esta um mal necessário. E isso gera consequências, pois a cidade acaba concentrando males como o consumo abusivo de drogas, a violência, a falta de moradia, desemprego, sendo que os mais carentes tornam-se vítimas de mais e mais crimes. Essa época de liquidez de incerteza e de insegurança, onde todos os referenciais morais da época anterior, denominada por ele, de modernidade sólida, são cambiados pela lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade”.
Quando se dá essa relação frágil?
Vamos falar do trabalho, que foi o caso do homem que passou desesperado gritando pela perda do emprego, para que eu possa tentar explicar melhor. A relação frágil se dá, por exemplo, numa época em que as relações de trabalho viram um campo fluido, desregulamentado, surgindo a figura do “desemprego crônico”. Os humanos se transformam em mercadorias que podem ser consumidas e jogadas no lixo a qualquer momento, tendo como consequência frustrações e insegurança. Com as transformações do mundo do trabalho, estabelecendo novas relações de produção, os trabalhos tornam-se flexíveis, o desemprego se torna crônico gerando essa ansiedade, essa doideira, como diz o senhor Sebastião, as pessoas são expelidas com o enxugamento da empresa.
As ideias de igualdade e liberdade em nossa constituição significam que os cidadãos são sujeitos de direitos e que onde tais direitos não existem, tem-se o direito de lutar, de exigir. Este é o cerne da democracia: lutar e exigir… por isso no domingo retrasado quando eu disse que adorava fazer aniversário, pois penso que me torno uma pessoa melhor com o passar dos anos, ainda questionei: – Basta uma independência politicamente formal? Qual seria a verdadeira independência? Seria aquela que passa pela soberania da nação?
Ainda repito que o grito de D. Pedro I me impulsiona, também a exigir a justiça social, pois esta é indispensável para que uma nação possa ser verdadeiramente independente. Dizer não ao desemprego, à violência, à discriminação de raça, cor, sexo, religião e assim dar visibilidade sócio-política aos excluídos, para que suas condições possam se tornar pública e apontar para o desenvolvimento de uma política de inclusão social com a participação de todos.