Margareth Maciel de Almeida Santos
Advogada e doutoranda em Ciências Sociais.
Pesquisadora CNPQ.
No feriado passado, eu, minhas filhas e minha mãe fomos para um resort em Salvador, comemorar os seus 82 anos. Aproveito para comentar que a Bahia é linda, culinária perfeita! Estávamos muito felizes por podermos comemorar juntas e aproveitarmos todos os momentos. Bom demaissss…
Mas o assunto não é exatamente esse, o que realmente me deixou indignada no referido resort foi a quantidade de comida que nos era oferecida a todo o momento. Restaurantes diversos dentro do resort, francês, japonês, baiano, restaurante 24 horas, um café da manhã farto com tantas iguarias que não sabíamos o que comer, o que escolher…
Houve um dia que o hotel estava muito cheio, mas parecia que os buffets expostos não se esvaziavam. Tudo parecia intacto, como se ninguém houvesse se servido. Questionei um dos garçons o que se fazia com os “restos de comida”, que poderiam alimentar dezenas de pessoas? Ele me respondeu da seguinte forma: “- tudo o que a senhora está vendo aqui, essa comida que está exposta, é jogada fora, vai diretamente para o lixo”.
Quando perguntei qual era a justificativa daquela comida, não poder ser doada, recebi a resposta de que tal prática poderia colocar o restaurante, a empresa onde trabalha, em risco de um processo judicial, eventualmente movido por um daqueles alimentados, alegando que o fornecimento da comida estava deteriorado. Ainda disse, que existem pessoas que poderiam ter comido alguma coisa que não fosse da doação, mas agiria com má fé, alegando o nexo causal entre a infecção e a comida doada.
Entendo os motivos, mas, ainda assim, toda aquela comida de boa qualidade estava sendo desperdiçada. Se por um lado as pessoas precisam ter consciência de gastar com equilíbrio, as empresas teriam que estar atentas à sua função social, preservar o ambiente que lhes fornece recursos de que necessitam e zelar pela sua conservação.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) cerca de 1,3 bilhões de toneladas de alimentos são desperdiçados, simplesmente jogados no lixo, todos os anos. O Brasil é um dos campeões desse ranking.
Pesquisando o assunto de hoje, encontrei um Decreto Lei número 2848 de 1940, que de certa forma, impede que restaurantes deem as sobras de comida para quem precisa. Segundo o decreto, a responsabilidade, no caso de uma pessoa passar mal com alimento doado, é dos restaurantes. A responsabilidade civil e criminal de qualquer dano causado aos receptores de alimentos doados recai sobre quem doou. A legislação não proíbe a doação de alimentos preparados e que sobram nos restaurantes, (a chamada sobra limpa) mas inibe a ação dos empresários devido à punição.
Ainda encontrei sobre o assunto que desde 1998, tramita no Congresso, um texto que tenta mudar essa lei. A proposta prevê que caso não seja identificado dolo ou negligência por parte do doador, ele não pode ser responsabilizado criminalmente no caso de morte das pessoas que recebeu doação. Há quase vinte anos na Câmara, mas até hoje não foi apreciado.
Ainda ressalto que quando eu saia da mesa que eu estava sentada para chegar ao buffet, seja no café da manhã, no almoço ou jantar, meu olhar se dirigia para os pratos das crianças, adultos e via o tamanho do desperdício. Questionei sobre isso e a resposta dada foi que 70% da comida que a pessoa colocava em seu prato era deixada.
As indignações levaram os meus pensamentos para a minha casa: sobre o hábito de apagar as luzes, as TV’s, diminuir a duração dos banhos diários, alimentos que ficam na dispensa esquecidos e passam do prazo de validade. Vou lhes contar um segredo. Quando eu cheguei ao Rio de Janeiro, me sentia tão culpada de deixar os cachorros de minhas filhas em casa, que eu achava que assim que eu saísse de casa, mesmo que fosse para a faculdade, eu deveria deixar a televisão acesa para eles. Isso me aliviava! Meu Deus, quanta ignorância!
O fato é que não nos preocupamos em economizar, e se não o fazemos em nossas próprias casas, ainda mais quando vamos para um resort que pagamos a diária com o pensamento de que “tudo o que consumimos está incluído, portanto tudo é permitido”.
A urgência de mudarmos essa cultura do desperdício é real, estamos acostumados a enxergar como sovinice o fato de economizarmos recursos que são colocados à disposição, esbanjamos água, energia elétrica, alimentação. Recursos que poderiam nos atender melhor e auxiliar outras camadas da população mais necessitadas se tivéssemos uma conduta mais coerente com o meio ambiente. Ao contrário, somos consumidores, voltados para o desperdício, e quem sofre a consequência imediata é o meio ambiente.
Esquecemo-nos que apesar de vivermos no Brasil, país que possui abundância de recursos, e que por outro lado, existem milhares de pessoas que passam fome todos os dias, sem onde morar e até morrem de fome. A cultura do desperdício se incorporou de tal forma ä vida brasileira que nada de concreto é feito para reverter os números absurdos do que se perde e não paramos para questionar o que se fez para que este se transformasse em um dos campeões mundiais do desperdício.
Qual é a ”lógica do mercado”?
Acelerar o desenvolvimento econômico, o qual, por sua vez, agravará o desperdício dos recursos naturais. Isso é preocupante, colocamos em risco o abastecimento no futuro.
Diante dos fatos vivenciados, penso que a constatação de que poderíamos gastar menos, diminuiríamos o número de pessoas que morrem de fome, além de que pagaríamos menos se houvesse a consciência do não desperdício em nosso país.
Para isso basta atitudes simples que podem fazer a diferença em um futuro onde os recursos não serão tão abundantes e os que existem devem ser muito bem administrados por nós e pelas gerações futuras. Eu me candidato a iniciar essa mudança de cultura. E você?