Margareth Maciel de Almeida Santos
Advogada e doutoranda em Ciências Sociais
Pesquisadora CNPQ
Eu tive a honra de conversar com o Dr. Jorge Rubem Folena de Oliveira, jurista, cientista político e escritor sobre a questão da ditadura militar no Brasil. Ele escreveu um livro muito interessante: “Os Tribunais nas ditaduras brasileiras”. O que me chamou a atenção no referido livro foi a observação do escritor, em relação à ditadura militar no Brasil, quando ele relata que a maioria das pesquisas que foram desenvolvidas a respeito dessa questão tem a visão de que a culpa é exclusivamente dos militares a respeito das mazelas causadas pela ditadura. “Atribuir somente aos militares a culpa é uma visão muito restrita”, comenta Folena.
Passo a palavra ao escritor:
“Eu não quero dizer que os militares não tiveram culpa, mas que muitos civis participaram da conspiração que levou a queda do governo constitucional de João Goulart é uma verdade pouco estudada e debatida. Empresários, jornalistas, professores universitários, advogados, religiosos, promotores e juízes também colaboraram com o golpe militar e a manutenção da ditadura por 20 anos no Brasil. Eu quero dizer também que ao terminar a ditadura militar em 1985, o Brasil não fez uma espécie de saneamento, pois diversos agentes civis e militares que serviram a ditadura e que atuaram de forma direta ou indireta na perseguição, tortura, expropriação de bens, etc. continuaram em seus cargos. Muitos agentes passaram, na ordem democrática instituída a partir de 1985, a atuar livremente, seja na nos trabalhos da Assembleia Constituinte de 1987 e 1988, no próprio parlamento, no Ministério Público e também no poder judiciário. Então limitar ou reduzir que os vetos das ações ocorridas na ditadura estejam sendo patrocinadas exclusivamente por militares é uma visão reducionista do problema. Acredito que muitos dos problemas de instabilidade política que estamos enfrentando hoje no país, com críticas relacionadas ao partido dos trabalhadores, têm relação com segmentos da sociedade ligados intelectualmente ao passado ditatorial, que ainda não foi resolvido. Os segmentos reacionários culpam as políticas públicas que tentam dar, de alguma forma, cidadania a milhões de pessoas, que nunca tiveram nada num passado recente ao ano de 2003, pelos males do Brasil. Na verdade, estes críticos defendem somente os muito ricos, que são cada dia menos numerosos e constituídos por banqueiros. Quero lembrar que, nos governos militares de 1964/1985, ocorreu no país um grande desenvolvimento econômico, porém sem que a renda fosse distribuída de forma justa ao povo brasileiro”.
Questiono ao Dr. Folena sobre a questão do ex-presidente Lula e seu filho ficarem milionários de uma hora para outra, conforme é divulgada por boa parte dos veículos de comunicação social em nosso país e me surpreendo com a resposta: “não sei se o presidente Lula é rico com base no que diz a imprensa. Isto é muito preocupante, pois tal acusação exige prova cabal e condenação judicial efetiva, sob pena de violar a constituição e o código penal quanto ao crime de calúnia. Eu posso dizer que nos governos do presidente Lula e da presidenta Dilma nada se fez para combater o abuso de concentração do poder econômico da mídia, que diz o que bem entende, mesmo sem prova efetiva. A delação premiada não é prova, pois pode estar sendo manipulada por alguém, como se viu esta semana no caso do senador Delcidio do Amaral, que está preso por tentar controlar uma delação de um preso na operação Lava Jato. Espero que com a nova lei do direito a resposta, que entrou em vigor a partir do inicio de novembro, seja assegurada as pessoas que forem acusadas por corrupção por meio da imprensa, sem a devida comprovação do fato delituoso, ter o direito constitucional de poder se defender com a mesma liberdade e espaço com que foram acusadas. Eu quero destacar que somente a partir do governo Lula e da presidenta Dilma que a Polícia Federal e o Ministério Público passaram a ter total liberdade para investigar e processar quem quer seja no país, sendo que o fato de ser investigado e processado não representa diante da ordem jurídica que a pessoa investigada seja criminosa, o que somente poderá ocorrer depois de uma condenação judicial definitiva pela última instância do poder judiciário. Enquanto isso não ocorrer presume-se que toda e qualquer pessoa é inocente, conforme as regras democráticas e liberais vigentes no país”.
Perguntei também ao Dr. Jorge Folena qual seria o ponto central do seu livro e o que ele apurou de interessante nessa pesquisa. E me respondeu que seu objetivo foi verificar “o pensar e o agir político do Supremo Tribunal Federal, principalmente nos dois primeiros anos da ditadura civil militar, entre 1º de abril de 1964 a dezembro de 1966, nos julgamentos de crimes políticos realizados pela Suprema Corte”. Disse ainda: “Eu verifiquei que apesar de todos os ministros que compunham o STF, no período acima mencionado, terem sido nomeados nos governos civis, anteriores e não pela ditadura, a maioria quase absoluta colaborou para o recrudescimento da ordem ditatorial, uma vez que os juízes não apresentaram qualquer resistência as ordens e prisões ilegais praticadas pelo aparelho repressivo sob a vigência da constituição de 1946. A liberdade de expressão das pessoas não foram acolhidas pelos ministros e prisões ilegais foram mantidas, inclusive chegando ao conhecimento do tribunal caso de tortura, já em 1964, praticada por parte da ditadura. Considero que o ato institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que tornou a ditadura no Brasil muito mais cruel, pode-se atribuir a timidez ou ausência de resistência, por parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal no período entre 1964 a 1966.”
Jorge Folena, você acha que o Brasil tem mudado? “Entendo que oportunidades estão sendo dadas aos trabalhadores pobres e principalmente aos seus filhos, o que irão permitir que eles tenham melhor consciência política com relação a importância do seu voto e deixarão de votar por trocas de favores. O voto não é para ser vendido ou trocado, mas sim atribuído num projeto que possa ser levado ao desenvolvimento humano e social de todas as pessoas. Daí a importância das eleições municipais que irão ocorrer no próximo ano de 2016, pois é no município que as pessoas vivem, trabalham e estudam, devendo assim exigir dos prefeitos e vereadores uma gestão mais humana e democrática e finalmente uma cidade mais justa e digna para todos”.
Apresento Jorge Rubem Folena de Oliveira: doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, advogado constitucion e tributarista, diretor de Direitos Humanos da Casa da América Latina e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.