
Margareth Maciel de Almeida Santos
Doutora em Sociologia Política (IUPERJ)
Membro do Instituto Nacional dos Advogados do Brasil (IAB-RJ)
Vocês já ouviram falar de Essequibo?
Fiz uma pesquisa e muitas pessoas me responderam: O quê?
Eu confesso também que não sabia até o presidente Lula oferecer para sediar reuniões para mediar o conflito entre a Venezuela e a Guiana. O que é preciso esclarecer é que Essequibo faz fronteira entre os dois países citados. E as tensões foram crescendo entre os países por causa de Essequibo e Lula não quis ficar alheio por ser contra a guerra especialmente na América do Sul.
“ Eu gostaria de dizer que nós vamos tratar (o assunto) com muito carinho porque se tem uma coisa que nós não queremos aqui na América do Sul é guerra Não precisamos de guerra, não precisamos de conflito”, disse Lula. (bbc.com.portuguese).
Após pesquisar o conflito, podemos dizer que se trata de um conflito antigo entre os países Venezuela e Guiana, mas existe aí um caldeirão onde se encontram questões tanto jurídicas, históricas, diplomáticas. O resultado pode ser perigoso já que em Essequibo foi encontrada reservas bilionárias de petróleo em 2015 o que fez com que a querela recomeçasse.
Assim para nos ajudar a compreender melhor tive a honra de contar com o apoio do ilustre professor Lier (em anexo se encontra um resumo da bibliografia do Dr. Lier). Eu tive a honra de ser sua aluna no curso de Ciências Sociais, no IUPERJ, Cândido Mendes, Rio de Janeiro. Vejamos sobre a leitura sobre o conflito do ilustre professor. O editor do Diário de Caratinga, José Horta, questionou ao professor as seguintes questões.
O referendo feito na Venezuela tem algum amparo jurídico?
Conquanto o litígio em torno da região de Essequibo perdure desde o século XIX, do ponto de vista do Direito Internacional, o referendo venezuelano não tem qualquer amparo na legalidade, posto que feito em completa desconformidade com os princípios, costumes e regras vigentes, além de avesso às jurisprudências exaradas pelos tribunais internacionais, em particular a Corte Internacional de Justiça (CIJ), vinculada às Nações Unidas. Igualmente, o referendo é desprovido de legitimidade no âmbito da sociedade internacional, posto que alheio aos hábitos, usos e costumes que nela existem. Portanto, em nível jurídico, não há legalidade ou legitimidade no referendo venezuelano. Todavia, do ponto de vista político a ação da Venezuela recoloca a questão de Essequibo no radar geopolítico das relações internacionais, provocando ações que visem a uma resolução definitiva sobre essa longa disputa que, há décadas, restava “esquecida”. Nesse sentido, parece que as ações de Maduro, às quais se somam o deslocamento de tropas para a fronteira da região em disputa, são bem-sucedidas.
Quais as bases de acordo de Genebra realizado em 1966?
Até 1966 a Guiana era parte do Reino Unido, sendo desprovida de soberania. O Tratado de 1966, firmado imediatamente antes a independência guianense, reconhece que existe um litígio em relação àquele território, mas não estabelece qualquer resolução, para a disputa. Em 1970, sob a iniciativa de Eric Williams então primeiro-ministro de Trinidad e Tobago, Guiana, Reino Unido e Venezuela ajustam o Protocolo de Porto Espanha, que fixou um prazo de 12 anos para a resolução da querela. Contudo, não houve avanço. Por esse motivo, em 1986 as partes recorrem às Nações Unidas para solver a questão, mas, de fato, não houve progresso, pois, até então, a área, vital para a Guiana, não tinha outro atrativo econômico que não a própria floresta. Esse quadro muda a partir de 2015, quando a Exxon-Mobil descobre uma imensa jazida de petróleo em Essequibo e a Guiana, então, aciona a Corte Internacional de Justiça para confirmar a validade de uma sentença arbitral exarada em 1899. Desde então, o conflito vem escalando, até o patamar atual.
A ONU já declarou que a decisão cabe a Corte Internacional de Justiça, mas a Venezuela não reconhece essa Corte?
Segundo o artigo 36 do seu Estatuto, que integra a Carta das Nações Unidas, a CIJ tem competência para apreciar todas as questões que lhe forem submetidas pelas partes. Não obstante, o pertencimento ao quadro da ONU não implica na aceitação automática e obrigatória à jurisdição da Corte, sendo, portanto, necessário que os Estados litigantes, e a CIJ somente é acessível aos Estados e a nenhuma outra pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. Deste modo, salvo pela existência de tratado que o obrigue, ou pela adesão à cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, não há obrigação de reconhecimento, por um Estado, neste caso particular, a Venezuela, à jurisdição da CIJ. A título de exemplo, o Brasil também já não se submete de forma prévia às decisões da Corte de Haia. Em outras palavras, e de modo direto, sem prévio reconhecimento não há que se falar em submissão da Venezuela (ou de qualquer outro Estado) à jurisdição da Corte e, portanto, às suas eventuais decisões.
Qual o papel do Brasil nesse caso?
O Brasil é o maior, mais rico e mais poderoso país da América do Sul, tendo incidência sobre todos os demais. Essa incidência, contudo, expressa um poder soft, negocial, sem quaisquer prerrogativas coercitivas. Além disso, fronteiriço aos países em “pugna”, o Brasil também é interessado nesta disputa, especialmente pelo fato de que adota uma matriz preferencialmente preservacionista em relação à floresta. Neste sentido, estribado em sua qualificada diplomacia, via Itamaraty, e na figura pessoal do presidente Lula, cuja liderança e expressão global são inequívocas, o Brasil poderá, sim, exercer um papel relevante para uma solução desta controvérsia.
O Brasil é o mais indicado para ser o mediador?
Pelos motivos acima mencionados, o Brasil é sim, um potencial mediador para o conflito, desde que a mediação (ou outra forma pacífica de solução de controvérsias) seja o meio escolhido pelas partes. De todo modo, não é possível falar, à priori, de país “ mais indicado”, pois isso enseja um juízo de valor (mais indicado ou menos indicado) alheio à Ciência do Direito e, neste caso, certamente disfuncional à própria análise política, desde que considerada à luz da Ciência Política. Mas, sim ratificando o que foi dito acima, o Brasil poderá ter um papel importante neste conflito qualquer que seja o rumo que venha a tomar.
Após o dia 14 de novembro de 2023, presidentes de Venezuela, Nicolás Maduro e Guiana, leia-se Irfaan Ali, se reuniram e convidaram o presidente Lula, isso me causou curiosidade em saber a opinião do ilustre professor Dr. Lier sobre o seu olhar após a reunião ter sido realizada.
Desde a nossa última conversa creio que duas coisas importantes aconteceram, tendo como Norte o Brasil e os seus interesses.
Primeiro, o Acordo de São Vicente e Granadinas firmado entre Guiana e Venezuela em 14/11/23 proíbe o uso da força na disputa por Essequibo, privilegiando o diálogo bilateral e os modos de solução de controvérsias presentes no Direito Internacional.
Segundo o Ministério da Defesa, ampliou a mobilização de tropas e armamentos na fronteira, temendo, inclusive, o uso do território de Roraima como passagem para uma invasão venezuelana na fronteira.
Nesta mobilização, mísseis antiblindados MSS 1.2 AC, de fabricação nacional, foram incorporados aos equipamentos de fronteira então disponíveis para a 1ª Brigada de Infantaria de Selva.
O que essas duas observações (coisas) significam: que apesar da distensão ocorrida em face da reunião do dia 14/11, a situação na fronteira inspira cuidados e atenções especiais, inclusive com a mobilização de artefatos que garantam a soberania nacional e o papel pacífico do Brasil diante desta importante disputa em ter a Guiana e Venezuela.
Gostaria de agradecer ao professor Lier e desejar a ele e a todos e todas vocês um Feliz Ano Novo e que possamos refletir sobre a Guerra e a Paz como ponto de partida para as questões do ano de 2024. A ideia de circularidade, sobre esse conflito que ficou esquecido, mas agora vivenciado não como sendo um acontecimento qualquer mas precisa de reflexão.
Guerras entre países, estados, famílias, religiões, questões sexuais, raças nos traz graves consequências materiais, emocionais e nos tornam fragilizados em nossas ações humanas que muitas vezes provocam o ódio e nos incorpora a morte do corpo, do coração e da alma.
Onde houver ódio que eu leve o amor.

Pós-Doutor em Direito – USAL, Espanha. PhD em Direito – UERJ. Mestre em Relações Internacionais – PUC/RJ. Bacharel em Direito – UFF. Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais – UFF. Professor Titular do CP2. Pesquisador do LEPDESP (IESP-UERJ/ESG). Pesquisador do NuBRICS (UFF). Membro da Comissão de Direito Internacional da OAB/RJ. Autor/organizador, dentre outros, de: Estado, Globalização e Integração Regional (2003); Direito Internacional, Petróleo e Desenvolvimento (2011); Escolas e Teorias de Relações Internacionais (2021); Retratos da Pandemia (2021); O Rio sob Intervenção Federal (2022). Curso de Ciência Política (2023); Manual de Segurança e Defesa (2023); e do Curso de Segurança Internacional (2023). E-mail: [email protected].