Margareth Maciel de Almeida Santos
Doutoranda Sociologia Política
A população negra enfrenta diariamente a insegurança de uma maior exposição à violência, e em dias atuais, é notório vermos por meio das mídias a luta dessa população para eliminar as desigualdades e discriminações, principalmente por se tratar da mulher pobre e negra. Concluímos que o Brasil ainda se revela racista.
O dia 25 de julho foi criado para homenagear a mulher negra. É considerado o dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha.
Sabemos que o dia 8 de março é marcado como sendo o dia internacional da mulher, independentemente de ser branca ou negra, gorda ou magra. No entanto, entendo que homenagear a mulher negra em uma data específica, é reconhecer os seus direitos como cidadã reconhecendo que não existe raças superiores e nem inferiores. O nome de Tereza de Benguela está relacionado com a data de 25 de julho, justamente para legitimar um ato histórico de resistência da mulher negra, líder em pleno século XVIII.
Tereza de Benguela foi uma líder quilombola, e se tornou a rainha do quilombo, após a morte de seu companheiro. Foi sob a liderança de Tereza de Benguela que a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas. É fato que em nossa sociedade, as negras se encontram em desvantagens de acessos a recursos. Os indicadores sociais relacionados aos índices de mortalidade da população brasileira; no acesso de políticas públicas de ensino, saúde, cultura apontam para isso.
Nesse contexto, apesar de me colocar contra a questão da descriminalização do aborto de modo a garantir às mulheres o direito constitucional de interromper a gestação de acordo com a autonomia delas, sem necessidade de qualquer forma de permissão específica do Estado, bem como garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar o procedimento, não é difícil compreender que o aborto compromete a dignidade da pessoa humana e a cidadania das mulheres e afeta desproporcionalmente as mulheres negras e indígenas, pobres, de baixa escolaridade e que vivem distante de centros urbanos onde os métodos para a realização de um aborto são mais inseguros do que aqueles utilizados por mulheres que tem maior acesso à informação.
O aborto é um tema complexo, por se tratar de matéria de direitos fundamentais. Assim não iremos discorrer esse assunto nesta ocasião, por ser considerado um problema jurídico que precisaria de um debate constitucional. Mesmo que eu me posicione contra o aborto, e a minha boa-fé me leva a discordar de um tema tão sensível e polêmico como é a sua descriminalização, vejo que os fundamentos constitucionais reconhecem o direito fundamental ao aborto durante o primeiro trimestre- argumentos jurídicos para justificar a decisão.
No direito nada se interpreta de forma isolada, mas sempre sistêmica como um todo harmônico de regras e princípios. A ponderação dos princípios existe para se definir o que é licito, o que é constitucional. O que eu quero expressar é que não se pode admitir é o desprezo e desconsideração às vidas das mulheres pobres, geralmente negras ceifadas pela criminalização do aborto, pois esse traz um impacto desproporcional sobre essas mulheres de sorte que a criminalização viola o princípio da isonomia, no que tange à igualdade real entre as mulheres.
Deve-se levar em conta o desespero dessas mulheres em entender como necessária a realização do aborto por conta de suas condições pessoais, ausência de estrutura para criar filhos, temor de perda de emprego. Nesse sentido é responsabilidade do Estado impor regulações para promover a saúde e segurança da mulher de forma a lhes darem o apoio necessário, criando políticas públicas que sejam eficazes para que essas possam ter condições de querer ter os seus filhos e poder criá-los, levando em conta vários fatores que afetam essas mulheres além de se perceber a alta mortalidade que poderiam ser evitadas por meio de reflexões contra a discriminação racial.
Para isso em colaboração com o Estado, é preciso que modifiquemos o nosso interior, quando queremos verdadeiramente, um mundo onde todos possam viver com dignidade. Respeitar o outro custa, principalmente quando carregamos valores do mundo “tradicional”. Nesse sentido constatamos que as dificuldades se encontra em fazer acordos cujo objetivo é compreender que não se pode julgar ninguém pela sua raça. Os conflitos se mostram e a crueldade de uns se evidencia sobre a falta de direitos a partir dos diferentes grupos humanos.
Reconhecer Tereza de Benguela líder de sua comunidade é reconhecer as diversas formas de resistência negra à escravização e valorizar a contribuição dessa população à cultura brasileira.