José do Carmo Veiga de Oliveira
O Brasil é conhecido como um País que tem milhares e milhares de leis, seja em nível nacional, estadual, municipal e Distrital, especificamente, o Distrito Federal, onde se localiza a Capital da República Federativa do Brasil. No entanto, o fato é que vivemos diante de um contexto por meio do qual as pessoas que são vítimas de situações dessa ordem, acabam, ou por mudar de endereço – compreendida nessa situação – a transferência de domicílio, ora para outra cidade e, dependendo das circunstâncias, para outro Estado e, se mais grave a situação, até mesmo mudança de País. Poucas não são as situações em que as vítimas dessa realidade, preferem transferir sua residência, ora para os Estados Unidos, Europa ou ainda, para continentes mais distantes, visando usufruir um pouco da paz que lhes foi “roubada”, em razão de ataques cruéis que sofreram em determinada época ou local.
Com o mundo digital – via internet – tudo é possível, até mesmo alcançar pelo instrumento da longa manus, ou seja, mediante o uso da rede mundial de computadores, os novos endereços das vítimas que se transferiram de endereço para não continuarem sofrendo a perseguição que lhes foi imposta em virtude de indisfarçável assédio e até mesmo agressões que se transformam em violência verbal e escrita, ou mediante publicações rotuladas de “matérias jornalísticas”, em que a honra, a dignidade, a integridade moral, profissional e, especialmente, no que há de mais sagrado para as pessoas, ou seja, a sua intimidade, é alvo de atentados violentos, cruéis. No entanto, ficavam impunes, passíveis apenas de alguma tentativa por intermédio das conhecidas “compensações por danos morais” que, muitas das vezes, sequer era possível alcançar o recebimento dos valores arbitrados em Juízo, porque o “ofensor” não dispõe de patrimônio ou de capacidade patrimonial/financeira para honrar condenações impostas pelo Poder Judiciário.
Mas, de fato, as medidas mais adequadas e que deveriam, efetivamente, produzir os resultados que aquelas de cunho financeiro/patrimonial não solucionam, dada a sequência das medidas que se adotam e que nem sempre são dotadas de eficácia para se impor um paradeiro nesse tipo de atitude que, até então, nunca passou da esfera cível. Todavia, havemos de convir que as ações cíveis visando uma compensação financeira também não chegam a bom termo, exatamente em virtude da ausência de bens patrimoniais capazes de assegurar o pagamento das compensações, que sempre restavam insuficientes, seja por uma transferência fraudulenta para outra(s) pessoa(s) para frustrar o recebimento dessas compensações que nem sempre alcançam valores capazes de produzir o seu efetivo resultado. No entanto, tais valores, muitas das vezes, são diminutos porque os “agressores”, em ocasiões variadas, não dispõem de patrimônio suficiente para honrar essas condenações.
Essa situação continua ativa em nossa sociedade e, especialmente, sofreu uma certa refreada a partir da inclusão no inciso X, do artigo 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil, onde se lê que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Nota-se, pois, que é o tipo de situação que pode perdurar por anos a fio e, ao final, não se encontrar patrimônio algum em nome do ofensor de modo a assegurar o cumprimento da decisão judicial que terminou por condenar o transgressor. É a famosa “vitória de Pirro” – um general romano que depois de destroçar o exército inimigo, não teve a oportunidade de retornar para Roma e, lá, entrar com prisioneiros, escravos, bens e despojos de guerra, porque tanto o exército inimigo quanto o seu próprio, foram dizimados naquela batalha e, dessa forma, entrou sozinho em Roma, sem nada nas mãos para honrar o seu Imperador.
Alguns comentários que já foram escritos a respeito desse novo tipo penal, previsto no artigo 147-A, do Código Penal Brasileiro, busca tipificar a prática do crime de “perseguição constante, incessante, permanente, interminável, etc. etc.”, e tem sido comparado com a palavra correspondente na língua inglesa – stalking – equivalente à perseguição diária, rotineira, incessante, etc. etc., tornando a vida dessa pessoa ou pessoas, num sofrimento sem fim.
Houve em passado recente e tenho lidado com isso em termos de orientação de Alunos que se encontram às portas de conclusão de seu Curso Superior, para elaborar uma pequena dissertação sobre um tema de sua escolha, conhecido como Trabalho de Conclusão de Curso. Uma dessas Alunas, buscando abordar essa temática, utilizou a expressão – “A INTERNET COMO TERRA DE NINGUÉM” – e, pelo visto, essa situação está chegando a uma possibilidade de ser o momento para se impor esse limite àquelas pessoas que acreditam que a internet, de fato, seja “terra de ninguém”.
Mas, voltando à etimologia da palavra stalking, um grupo integrado por três (03) Delegados da Polícia Civil – um de Goiás, outro do Paraná e o outro da Polícia Federal – publicaram um artigo a respeito do tema e, para efeito de exemplificar essa realidade, assim se posicionaram em seu excelente trabalho, in litteris: “Consiste em forma de violência na qual o sujeito invade repetidamente a esfera da vida privada da vítima, por meio da reiteração de atos de modo a restringir a sua liberdade ou atacar a sua privacidade ou reputação”. (Consultor Jurídico, edição de 06.04.2021, 21h19).
A título de se permitir um maior esclarecimento ao Leitor desta Coluna e do próprio Jornal, que alcança repercussão de notável observação, traz a seguinte redação: “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. – Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. – § 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido: I – contra criança, adolescente ou idoso; II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código; III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma. § 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência. § 3º Somente se procede mediante representação.”
Essa é a descrição da conduta que atinge as pessoas, vítimas de alguém que possui um traço de personalidade voltado à constante transgressão da lei, desde que seja capaz de alcançar uma pessoa e causar-lhe dano de qualquer espécie que seja, ainda que se trate apenas de “roubar-lhe a paz, o sossego, ameaçando a sua integridade física ou psicológica”. Chega-se a extremos quando o propósito atinge a capacidade de locomoção ou de qualquer forma, invade e perturba a esfera de liberdade ou de privacidade das vítimas. Como se vê, a pena varia entre seis (06) meses a dois (02) anos de reclusão, mais multa. Existe ainda previsão de agravamento da pena se o crime é cometido contra criança, adolescente ou idoso, contra mulheres ou, ainda, se cometido mediante concurso de duas (02) ou mais pessoas, além da previsão de sua prática mediante uso de arma de fogo. Nunca é demais frisar que essas penas são passíveis de serem aplicadas sem prejuízo das penas correspondentes à violência. Todavia, deve a vítima formular representação criminal contra o(s) autor(es) dessa prática criminosa que, a despeito de se levar alguns anos para ser sancionada, terminou por encerrar esse ciclo delinquencial que, com certeza, trouxe grandes prejuízos a diversas pessoas pelo Brasil afora. Espera-se, por conseguinte, seja viável a sua plena aplicação, valendo ainda esclarecer que a competência para o processamento dessa ação penal é dos Juizados Especiais Criminais, onde a tramitação é mais célere e, assim garante, significativamente, a chance de se concluir com o proferimento de uma sentença condenatória, sem os riscos próprios da prescrição, em que o “agente” fica impune, sem qualquer tipo de punição por essa brutal e estúpida prática delituosa.
JOSÉ DO CARMO VEIGA DE OLIVEIRA é Professor da PUC-MINAS e da Universidade Presbiteriana Mackenzie – SP; Mestre em Direito Processual pela PUC-MINAS; Doutor em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP; – Assessor Especial da Consultoria do Instituto Presbiteriano Mackenzie – SP; Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca – Espanha; Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais; Membro da Academia Paulista de Direito, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e da Academia Mackenzista de Letras.