Nenhum de Nós se apresentou no último sábado (28/09), no Piedade Fest. Harmonia entre os integrantes marca a trajetória de três décadas de sucesso
CARATINGA- “A obra inteira de uma vida” é um trecho da música ‘Sobre o Tempo’, além de título da biografia da banda Nenhum de Nós. A frase ilustra perfeitamente o que o quinteto conseguiu construir ao longo de três décadas.
O Nenhum de Nós se apresentou no Palco do Piedade Fest, no último sábado (28). Os músicos Thedy Corrêa (vocalista), Veco Marques (guitarra), Carlos Stein (guitarra), João Vicenti (teclados, acordeon e vocais) e Sady Homrich (bateria e percussão) concederam entrevista coletiva à imprensa no Vind’s Hotel, em um bate papo agradável. Eles ainda foram homenageados pelo prefeito de Piedade de Caratinga, Edinilson Lopes.
Em outubro de 2019 o Nenhum de Nós completará 33 anos de carreira, tendo superado a marca de 2 mil shows. Com 17 discos, três DVDs e um EP lançados, já recebeu inúmeros prêmios, amplo reconhecimento de público e de crítica, e possui uma imensa legião de fãs no Brasil e na América Latina. Em maio de 2018 a banda encerrou a tour que divulgava o EP “Doble Chapa”, lançado em abril de 2018 e iniciou a “Paz e Amor Tour”, em comemoração ao relançamento dos álbuns “Paz e Amor” (20 anos) e “Paz e Amor Acústico” (10 anos).
A união dos cinco integrantes atravessa os anos e contribui para a credibilidade da banda junto aos fãs, como frisa Thedy Corrêa. “Não tenho nenhuma dúvida. A gente costuma dizer que o Nenhum de Nós é uma banda sem patrão, todos têm importância, têm direito de expressar, de vetar: ‘Essa música aqui não quero que entra no repertório’, argumenta e tal. Então, ninguém sobe no palco contrariado, com aquela situação de que está sendo desrespeitado, nenhum disco é gravado onde não esteja de acordo com o que está sendo feito. Enfim, a gente acha que com isso consagra a ideia de que é uma banda de verdade, a gente sabe que têm muitas bandas que têm aquela sensação que fica um integrante mandando em todo mundo, aí vai trocando os integrantes e deixa de ser uma banda. A gente construiu uma coisa muito difícil, muito rara, que é o coletivo de trabalho de cinco pessoas e mais o nosso empresário, que também opina, onde todos têm o mesmo peso na voz, todos participam e por isso mesmo todo mundo se sente importante dentro desse processo. Acho que isso contribui para chegar onde a gente chegou até hoje”.
Em 1990, com o lançamento do disco “Extraño”, João Vicenti começou a fazer participações especiais nos shows do Nenhum de Nós. A parceria deu tão certo que ele seguiu tocando com a banda e no lançamento de “Mundo Diablo”, em 1996, virou membro oficial do grupo.
João Vicenti se recorda que era um momento em que o Nenhum estava “sofrendo pressão do mercado”, perdendo inclusive contrato com gravadoras. “E eu estava como convidado né, então eu sempre cheguei de fora, embora eles nunca tenham me tirado da sala quando faziam reuniões, nada disso. Mas, eu assisti de fora uma situação até de certo ponto confortável, que a qualquer momento eu podia dizer: ‘Oh, valeu, e tô largando’. E eu vi realmente o tipo de pressão que eles sofreram nessa fase, propostas até para sair de Porto Alegre, morar no Rio de Janeiro ou São Paulo, ficar mais perto do eixo. E eles mesmos se deram conta que a nossa fonte estava no Sul e as nossas referências todas, mas, morar lá, estar lá, era importante”.
Com bom humor, João Vicenti reforça o elo que foi criado entre o quinteto. “Entrei para fazer a turnê no disco Extraño e fui ficando, acho que eles me esqueceram (risos), quando se deram conta já não tinha como me tirar. Então, começamos realmente a remar juntos contra tudo que a gente não acreditava. Nosso primeiro acústico que vai comemorar agora 25 anos foi uma prova disso, uma prova de uma resistência que a gente tinha, vamos nos reinventar por nossa conta mesmo. Isso é a coisa mais importante que tem, que fez a gente viver esses trinta e poucos anos e talvez trinta mais”.
OS GRANDES SUCESSOS
A banda conseguiu emplacar grandes sucessos que atravessam o tempo. Para Carlos Stein é surpreendente constatar que músicas como ‘Camila, Camila’ e ‘Astronauta de Mármore’ ainda continuam sendo muito atuais dentro da memória afetiva das pessoas. “Ver que pessoas que não eram nascidas quando essas músicas surgiram, conhecem, cantam. Não são músicas fáceis, são de temas difíceis, complexos. Mas, acredito que tem a ver aquele negócio de pai para filho, talvez seja o segredo da história. Os pais que gostam do Nenhum de Nós, que encontram sentido na nossa música, fazem questão de mostrar isso para os filhos e os filhos acabam de alguma forma adotando isso como uma referência também. É uma coisa muito boa esse negócio de construção de novos admiradores, isso é um trabalho que a gente também se dedica bastante e é uma das coisas mais edificantes que talvez explique também o fato do Nenhum de Nós estar completando 33 anos. E ainda assim é uma banda relevante pra muita gente”.
Na década de 80, a banda ousou em levantar bandeiras de temas importantes, que pouco eram discutidos. Thedy destacou que sempre foram artistas preocupados com questões relevantes e que ganharam mais espaço de debate atualmente. “Quando ninguém falava no Setembro Amarelo, nossa primeira música tratava do tema de suicídio. Quando ninguém falava do Outubro Rosa, a ‘Camila’ fala de questões relacionadas à violência contra a mulher, abuso. E foram inúmeras as questões que a gente abordou temas que com passar do tempo foram se tornando quase que obrigatórios que a sociedade se debruçasse sobre eles”.
Para o vocalista, isso não significa que eles tenham “uma bola de cristal”, mas que trata-se de uma banda muito sintonizada no seu tempo. “Com o que acontece, com as coisas que chegam até o povo e que às vezes precisa que alguém tenha voz, traduza isso. Creio que em um determinado momento, foi o grande diferencial e até hoje se torna importante, que caracterizou o rock dos anos 80. Por isso que aquelas canções daquele tempo até hoje são cantadas. Se a gente canta ‘Camila’ hoje, ela tem o significado muito importante para quem tem que lidar com a questão da violência de gênero, violência contra mulher. E a música do Nenhum não tem prazo de validade, foi feita com uma referência de uma época e acaba abrangendo todas”.
PROJETOS
Em abril de 2018, com o lançamento do primeiro EP, “Doble Chapa”, a banda retoma os laços artísticos e a conexão musical com o Uruguai, como afirma Thedy. “Sem dúvida. Essa também foi uma das coisas que desde lá do início o Nenhum de Nós se preocupou. Lembro que ‘Camila’ estava fazendo um grande sucesso e era verão. E lá para o Sul do Brasil, nesse período, pelo menos antes era, hoje nem tanto; acontecia meio que uma invasão dos hermanos, os uruguaios, argentinos, eles subiam o litoral brasileiro, passavam por ali e a gente pensou, vamos fisgar os caras e a gente fez uma versão em castelhano de Camila. Então, desde sempre, a gente teve essa preocupação em dialogar, estabelecer conexões com a música latino-americana e com o passar do tempo ficaram muito fortes”.
Thedy reitera que a banda já trabalhou com grandes astros da música latino-americana. “Fazendo versões, participando de shows, eles participando de shows nossos, de discos nossos. E é uma coisa que a gente sabe que só tende a ganhar. E o Doble Chapa foi mais ou menos isso, um foco específico no Uruguai, onde a gente teve participação de dois músicos, um cantor e compositor e uma cantora uruguaios. E aí a gente foi para fazer o show lá também. Então reforçamos essa nossa identidade latino-americana”.
Outro projeto que empolgou os integrantes foi o primeiro show em conjunto com a dupla Kleiton e Kledir, realizado na última sexta-feira (27), em Belo Horizonte. Veco Marques analisou a oportunidade como a realização de um sonho para a banda. “Kleiton e Kledir sempre foram uma super referência pra gente, antes do início da carreira, com um grupo que eles tinham chamado Almôndegas, que foi também o embrião da dupla. E passada essa euforia da gente tá com os nossos ídolos, virou um vínculo tão rápido de amizade a partir da música, que eu acho que é a cola que nos une. Então, ontem (sexta-feira), foi bárbaro no Palácio das Artes, que é um teatro muito legal, onde a gente já teve inclusive tocando com um dos nossos grandes ídolos, que é o Lô Borges. A gente é fã do Clube da Esquina, da música mineira”.
Conforme Veco, a sintonia do encontro marcou uma troca de experiências entre profissionais que se admiram. “Então, foi difícil administrar a gente tocar e olhar para o lado e ver que eram os caras e pelo o que a gente conversou muito com eles a recíproca também era muito verdadeira. Eles também estavam super felizes de estar conosco e disseram que a gente também fez com que a música deles mudasse ao longo da trajetória. O Nenhum de Nós foi talvez um dos primeiros representantes da geração dos anos 80 do rock feita no Rio Grande do Sul e serviu muito como referência para eles. Ou seja, dois artistas, uma banda e uma dupla, mirando o mesmo horizonte. Bárbaro”.
RETORNO À REGIÃO
Sady Homrich se recorda que a banda já tocou em Caratinga há quase 20 anos e este retorno foi ainda mais especial, em uma apresentação de aniversário da cidade, com entrada gratuita. “Nós estivemos aqui em Caratinga por duas vezes, acho que uma na década de 90 e a outra logo na virada dos anos 2000. Minas Gerais sempre foi um estado que nos recebeu muito bem, a gente tem um respeito pela música mineira. Logo também, quando vieram as bandas que trouxeram irmãos mais velhos, como Skank, Jota Quest, Pato Fu, fomos criando alguns vínculos. E depois de tantos anos a gente voltar aqui na região é muito bacana, até porque num show que é oferecido à população. É super importante estar trabalhando com uma cultura de forma democrática”.