Thelma Regina
Alexandre Sales[1]
Confundida com desejo e prazer, felicidade é uma das palavras mais difíceis de ser interpretada. Filósofos, pensadores, religiosos, psicólogos, pesquisadores, místicos e outros que tentaram propor seu melhor conceito concluíram que não há uma definição que abranja de forma plena a mais incansável busca de todo ser humano.
Segundo o Dicionário Aurélio, “felicidade é o estado de ânimo de quem é feliz, sensação de bem estar, realização e contentamento, momento durável de satisfação plena, onde o individuo se sente a vontade e de bem com a vida. Um momento sem sofrimento. Um concurso de circunstâncias que causam ventura, sorte e êxito, resultado de situações específicas, como um sonho realizado, um desejo atendido, ou mesmo sem motivos, a exemplo de pessoas que se mostram sempre felizes e bem humoradas”. Contudo, o conceito é subjetivo, relativo e individual.
Aristóteles descreveu a palavra como o “maior desejo do ser humano”. Em sua tese, define como “um estilo de vida que precisa de constante exercício do que se possui de melhor”. Para o mais proeminente filósofo metafísico, a forma de ser plenamente feliz é “através das virtudes, da prudência de caráter e do bom “daimon” (boa sorte): cultive as boas virtudes e alcançará a felicidade.”
Para Epicuro, filósofo grego, fundador da “Escola da Felicidade”, esse estado estaria inclinado aos desejos materiais e ao dinheiro, daí a frase “o dinheiro não traz felicidade, mas ajuda”. No entanto, ele também entendia que um dos caminhos para a felicidade seria: “não preocupar com coisas que ultrapassam o poder da vontade”. Postulou que “o equilíbrio e a temperança davam origem à felicidade”, princípio que se reflete em uma de suas máximas: “Nada é suficiente para quem o suficiente é pouco”. Descreveu que “o amor por si só não determina a felicidade” e que “só a aquisição de bens materiais não torna alguém mais feliz”, apenas mais alegre e por curto tempo, ou seja, “uma vez satisfeito, o individuo volta a sua busca por outros bens que lhe proporcionem mais felicidade”. Mais tarde, ao descrever a felicidade do trabalho, Epicuro comenta que o homem seria mais feliz se o fizesse por amor, mais do que pela recompensa material.
Nietzsche, contrapondo-se aos pensadores de sua época, entendia “estar bem” como um “estado ideal de preguiça”, sem preocupações e sobressaltos. Acreditava que “viver pacificamente e sem preocupação era desejo de medíocres que não valorizavam a vida como forma de adquirir conhecimento e experiência sobre a arte de ser feliz”. Segundo esse ousado filósofo, “estar bem, graças a circunstâncias favoráveis ou a boa sorte não é felicidade”, ou seja, “essas condições são efêmeras, mudam a qualquer momento e por isso não determinam a felicidade”. Então, definia a felicidade como “resultado da força vital, do espírito de luta contra todos os obstáculos que restringem a liberdade, a autoafirmação e a adaptação a outros modos de vida ”.
Segundo Ortega y Gasset “a felicidade consiste em encontrar algo que traga satisfação plena”. E “cada ser define o que o torna feliz”.
Para Slavoj Zizek, felicidade é um conceito individual; não padronizado, sendo produto de valores capitalistas que prometem, implicitamente, a satisfação pelo consumo.
O filósofo indiano Mahavira afirma que “a não violência é aliada da felicidade plena”.
Filósofos chineses meditaram sobre a palavra. Segundo Lao Tsé, “a felicidade é atingida com a observação da natureza”. Para Confúcio, “resulta da harmonia entre as pessoas”.
Na visão espiritual trata-se “de um estado da alma diante do qual se encontra a paz” por meio de relações interpessoais e de laços afetivos duradouros.
No budismo, resulta da liberação do sofrimento e da superação do desejo por meio de treinamento mental.
As religiões judaico-cristãs discorrem da felicidade como “o respeito ao equilíbrio e à harmonia que resultam da prática do bem”. Jesus revelou que para ser feliz é preciso ser humilde, sensível, paciente, justo, prudente, misericordioso, pacificador e puro, além de suportar e vencer perseguições.
Juan Manuel Villa-Lobos descreveu a felicidade como um estado de ânimo egoísta: “não gosto de falar de felicidade, mas de harmonia: viver em harmonia com nossa consciência, com nosso entorno, com as pessoas que queremos bem, com os amigos. A harmonia é compatível com indignação e luta. A felicidade não: ela é egoísta”.
“Saber encontrar a alegria na alegria dos outros é o segredo da felicidade”, segundo Georges Bernanos.
Na visão biológica, a felicidade é resultado da estimulação neural no sistema límbico, que promove o equilíbrio entre razão e emoção. Assim, pessoas realizadas são mais estáveis.
Felicidade é ainda tratada como um estado subjetivo de satisfação plena que recorre quase sempre a algo palpável. O oposto remete à insatisfação de nem sempre saber o que se procura. E por essa razão segue-se ao encontro de qualquer coisa que seja concreta, sem se dar conta de que o que se busca é inconsciente.
Mas será que a satisfação máxima é possível aos seres humanos?
Segundo a psicanálise, o desejo é a maior característica do homem, que não morre, enquanto ainda precisa dar vazão à força que o impulsiona à felicidade.
Freud destaca que todo indivíduo é movido pela busca de uma felicidade onde não coexista fracasso. Sendo assim, a felicidade plena nunca será atingida.
Lacan discute que a linguagem travou o homem de ser feliz plenamente, visto que o separou de si mesmo e, por isso, impediu o acesso a experiências de satisfação total (ou gozo). Assim, desde o nascimento até à morte, sempre lhe faltará algo. Para ele, se atingir tudo o que deseja determina felicidade plena, o homem deixará de existir como sujeito e, por sua vez, não faria mais sentido manter-se vivo. Viver é manter o desejo subjetivo de continuar desejando ser feliz. Quando o sujeito não tem mais o que desejar, segue o caminho da morte, que para a psicanálise representa a plenitude da felicidade.
Então, o que é esse estado subjetivo de satisfação plena?
Já que todo ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz, onde encontrar a felicidade? Evitar a dor e a frustração seria empecilho para ser feliz?
A prática de gritar no silêncio de nossas mentes para que honremos nossa existência, sem eternizar nossas dores, sem responsabilizar o outro por nossas escolhas, sem desistir da vida e, acima de tudo, protagonizando nossa história como se ela fosse um grande, único e imperdível espetáculo, não seriam razões suficientes para sermos felizes?
Pelo sim, pelo não, considerando essa busca infinita, comum a todos os seres humanos, é possível considerar que o encontro com a felicidade plena ocorra na finitude da vida terrena, o que não remete a uma visão pessimista de que o homem não possa ser feliz plenamente neste momento. Ao contrário, trata-se apenas de reconhecer que a felicidade não é aquela idealizada, visto que problemas sempre existirão para quem assumir-se vivo. Nesse sentido, ser feliz envolve aproveitar pequenas e grandes satisfações do dia a dia e, lidar produtivamente com as insatisfações, que abrem espaço para o desejo de realizações futuras.
Que você tenha sabedoria para ser feliz!.
Thelma Regina Alexandre Sales
Nutricionista e Médica – Especialista em Terapia Nutricional/SBNPE – Especialista em Nutrição Clínica/UECE – Especialista em Saúde Pública/UNESCO – MBA em Gestão de Negócios/UNEC – Mestre em Meio Ambiente, Saúde e Sustentabilidade/UNEC – Professora do Centro Universitário de Caratinga.