*Wilson Guilherme Acácio
Para os especialistas em recursos hídricos, a proteção de nascentes e recursos d’água é fundamental para evitar o colapso de abastecimento. Nesse jogo o Brasil já entra em desvantagem desde a aprovação do Código Florestal, em 2012, porque houve um retrocesso no que se refere à proteção de nascentes, beira de rios, os cursos d’água, especialmente os intermitentes. Infelizmente também não foram levadas em consideração as questões hídricas, a biodiversidade, os ecossistemas, etc. Sabemos que os ecossistemas que estão em volta das matas ciliares são frágeis.
Ainda, na avaliação de especialistas, a crise hídrica se intensificará caso não se cuide devidamente dos mananciais. Esse processo está diretamente ligado à recuperação das matas nativas e das nascentes existentes nas bacias hidrográficas que têm a função de abastecimento de água potável para as cidades, independentemente de seu tamanho. Com a ocupação desordenada por atividades antrópicas destas áreas, como é o caso da microbacia do Ribeirão do Lage, desregula-se todo o ecossistema e “mata” as nascentes. Matando as nascentes, não brota água, se não brota água, não é possível abastecer o sistema. A solução passa, necessariamente, por ações como cercamento das minas, revegetação, restauro de áreas degradadas, combate ao processo de assoreamento etc. Com estas ações, entre outras, de acordo com hidrólogos, a água volta em um período estimado em cinco anos.
Nesse sentido, foi pensando nos sérios problemas ambientais encontrados na área do principal manancial de abastecimento da cidade é que elaboramos o projeto “Recuperação das Nascentes do Ribeirão do Lage.” A diferença deste projeto é que ele está sendo desenvolvido, desde o ano passado, numa parceria, talvez inédita em Caratinga, unindo para um bem comum, instituições públicas e privadas: CBH-Caratinga, COPASA, IEF, Polícia Ambiental, Prefeitura, Preserve Muriqui, Rede de Ensino Doctum, Unidades de Conservação de Caratinga. Ressalta-se que na Semana da Água do ano passado, na Escola Estadual Professora Maria Fonte (Distrito de Santa Luzia), os titulares destas instituições assinaram um termo de compromisso assumindo responsabilidades específicas contidas no projeto.
Desde a sua implantação muitas ações já foram realizadas, como o cercamento de várias nascentes. Agora, no dia 2 de fevereiro, os parceiros estiveram presentes em uma das propriedades particulares da região para o plantio de cerca de trezentas mudas de árvores nativas da Mata Atlântica e de frutíferas, recuperando uma mata ciliar. Deve-se salientar que todo o material para o cercamento das nascentes e mudas é fornecido, gratuitamente, para os proprietários através do IEF. Obviamente que o sucesso deste projeto dependerá, sobretudo, com o apoio dos produtores rurais e proprietários inseridos na microbacia do Lage.
Como se viu anteriormente, o resultado de um projeto desta natureza não é imediato; seus resultados são para cerca de cinco anos. Como é de conhecimento público, a cidade de Caratinga está passando por sérios problemas de desabastecimento de água potável, mesmo no período de chuvas, como aconteceu em algumas ocasiões do ano passado, obrigando a Prefeitura decretar estado de emergência e criação de uma força-tarefa. O Ribeirão do Lage é um manancial de passagem, em que a captação é feita diretamente no leito do curso d’àgua, pois não há barragem de reserva. De acordo com especialistas esta prática de captação não é mais recomendada, principalmente para uma cidade do porte de Caratinga porque, periodicamente, como tem ocorrido nos últimos anos, com a diminuição da vazão do Ribeirão, aquém do necessário, traz estes transtornos para a população.
A COPASA, que tem a concessão para o abastecimento de água potável para a população residente na cidade, tem que buscar, urgentemente, alternativas para que crises de abastecimento não mais aconteçam. Vimos que o atual sistema de captação de água utilizado pela Empresa está ultrapassado! Não vamos aqui entrar em detalhes de outros problemas do atual sistema, como a turbidez em época de chuvas que, também, traz problemas para a qualidade das águas.
Faz-se necessário que os diversos segmentos da sociedade, os poderes constituídos, empresários, organizações não governamentais cobrem da COPASA para que apresente, imediatamente, uma alternativa para a captação – seja a transposição de águas do Rio Preto para o Ribeirão do Lage; aproveitamento das águas de um lago já existente nas imediações (cerca de 500 metros do atual ponto de captação); construção de um reservatório em uma área plana, também próximo a este o ponto. Salienta-se que estas obras são relativamente caras e demoradas porque há todo um processo de licenciamento ambiental. O tempo urge!
A atual crise hídrica é uma oportunidade para que a sociedade dê a devida prioridade para a “agenda da água”, garantindo segurança hídrica para população. Também é preciso que se intensifiquem campanhas permanentes de conscientização para evitar o desperdício; elas não podem ser realizadas apenas no dia 22 de março, quando se comemora o Dia Mundial da Água.
Finalizando, o Projeto ora desenvolvido pelas instituições retromencionadas na região do Ribeirão do Lage cumpre suas funções públicas visando o bem-estar dos caratinguenses. Com ele, estamos recuperando os recursos hídricos e também a preservação da biodiversidade assegurando, assim, a sustentabilidade de todos. Neste projeto encontram-se a construção de propostas capazes de mudar o modelo de intervenção ambiental associadas às práticas de preservação como forma de corrigir os desmandos do passado.
*Wilson Guilherme Acácio – Professor aposentado (UFJF), mestre em Geografia (UFRJ), ex-presidente do CODEMA (Juiz de Fora), ex-superintendente de Meio Ambiente (Prefeitura de Caratinga), atual vice-presidente do CBH-Caratinga. Geógrafo da Doctum.