José Celso da Cunha
De todas as construções megalíticas da Europa nenhuma tem despertado mais interesse e curiosidade do que Stonehenge, perto de Salisbury, na Inglaterra. Sobretudo pelo apelo turístico e pelos desdobramentos transcendentais que impulsionam os apaixonados pelos mistérios escondidos na Ilha de Harry Potter e dos Druidas. Para a História da Arquitetura, Stonehenge é a confirmação do estabelecimento do trílito como o principal elemento estrutural utilizado pelo homem na sua trajetória de criar espaços internos habitáveis em suas construções. Ele serviu de modelo para que a humanidade de forma direta ou indireta, consciente ou inconscientemente, se beneficiasse. Ele pode ser considerado a forma básica, primária da engenharia e da arquitetura por comportar os elementos principais de uma estrutura reticulada: dois pilares e uma trave, (viga ou laje), na sua forma estável mais simples, foto ao lado.
No início da construção de Stonehenge, por volta de 3300 a.C., o espaço criado não passava de um grande círculo de aproximadamente 100 m de diâmetro, caracterizado por uma vala contínua em seu perímetro. O local já iniciava sua função cosmológica e de orientação cardinal, com as demarcações opostas do Sul e do Norte sobre o terreno, certamente balizada pelo posicionamento da Estrela Polar no horizonte noturno, conhecida como Alfa (α) do Dragão que nessa época marcava razoavelmente bem a direção do Norte, também utilizada como referência de direção no antigo Egito, alguns séculos depois.
Pelo posicionamento de duas outras marcações colocadas de cada lado, aproximadamente a 30m na direção anti-horária dos dois primeiros marcos norte-sul, estima-se que nessa ocasião Stonehenge era um templo dedicado a registrar o posicionamento da lua nas quatro estações. Uma espécie de calendário lunar. O local sofreu modificações significativas ao longo de sua história, com acréscimo ou retirada de novas estruturas, atendendo às diversas civilizações que se sucederam até 1800 a.C., quando Stonehenge ficara com o aspecto final como a conhecemos hoje. A primeira grande modificação teria ocorrido durante dois séculos a partir de 2500 a.C., por uma civilização conhecida como Povo de Beaker, devido aos finos copos de vidro, (beaker vessels), encontrados nas tumbas de suas vilas.
Inicialmente eles teriam introduzido os cinco grandes trílitos isolados, no centro, formando uma ferradura aberta para a direção nordeste, e a estrutura formada pelos trílitos contínuos, em círculo, em torno da ferradura central. Em seguida reorientaram o eixo principal em 3º para leste, fazendo-o coincidir com o solstício de verão, que ocorre em 21 de junho no hemisfério norte, o que fez também de Stonehenge um santuário dedicado ao sol. Outras modificações foram introduzidas por volta de 2200 a.C. como dois círculos de pedras menores, (cromlechs), sendo um deles interno e o outro externo à ferradura.
Ao longo dos séculos muitas das pedras utilizadas na construção foram destruídas ou removidas por outros povos, de modo que a sua forma completa, como a idealizamos hoje, jamais teria ocorrido. Ou seja, Stonehenge sempre foi um monumento mutilado do ponto de vista arquitetônico, tendo em vista que grande parte dos elementos utilizados em sua construção nunca esteve junta para compor uma obra final, acabada. Para os antigos talvez isso não fosse importante, dado que as suas funções principais continuavam a servir para a contagem do tempo e para as festividades religiosas ligadas a essas civilizações primitivas. Para isso, bastava a beleza da mensagem vinda dos céus, com suas marcações do tempo.
Ocasionalmente, as novas civilizações se preocupavam em não interferir naquilo que certamente os seus antepassados lhes teriam legado com sabedoria e mistério, ainda que faltasse aqui ou acolá um menhir ou um trílito. Ou seja, deixar como está o sagrado, para que os deuses não se aborrecessem e levassem consigo o sol e a lua para sempre.
José Celso da Cunha, engenheiro civil, professor, escritor, doutor em Mecânica dos Solos-Estruturas pela ECP-Paris. É membro da ABECE e do IBRACON. E-mail: [email protected].
2 Com base na série do autor: “A História das Construções” – www.autenticaeditora.combr . As fotografias das construções apresentadas neste artigo foram tiradas pelo autor.