DEUS, O QUE ELE DIZ EM RELAÇÃO AOS POBRES? Como tratar o pobre
Êxodo 23.4-5, 10-11 (1-12) 4 “Se você encontrar perdido o boi ou o jumento que pertence ao seu inimigo, leve-o de volta a ele. 5 Se você vir o jumento de alguém que o odeia caído sob o peso de sua carga, não o abandone, procure ajudá-lo.[…] 10 Plantem e colham em sua terra durante seis anos, 11 mas no sétimo deixem-na descansar sem cultivá-la. Assim os pobres do povo poderão comer o que crescer por si, e o que restar ficará para os animais do campo. Façam o mesmo com as suas vinhas e com os seus olivais […].
Neste texto de Êxodo (23.1-8) e, especialmente, o versículo 4 apresenta as regras da misericórdia. Aqui as palavras de um teólogo alemão, Frank Crüsemann:
Se os versículos falam de culpados e justos, aqui o assunto são os animais extraviados ou que caíram e ficaram deitados sob o jugo da carga. O interessante é que tais animais pertencem ao inimigo ou adversário pessoal […] O que está sendo confrontado são perigos reais: (1) que a misericórdia pode deixar de ser praticada por causa de inimizade; (2) que o direito pode ser tirado dos pobres; (3) que a pressão da maioria, a violência e o direito se sobreponham ao que é justo.
Crüsemann se vale de uma elucidação trazida por um colega contemporâneo, Eckart Otto:
Se nas determinações sociais de proteção, desenvolvidas a partir do direito em direção à ética, faltam às formulações de sanção, portanto, o poder da instituição jurídica para colocar isso em prática, então estas são normas que pretendem propor uma renúncia das pessoas economicamente fortes em favor das economicamente fracas, dependendo, assim, em maior medida e de forma mais consequente, da observância voluntária e da percepção própria das pessoas.[1]
Em outras palavras, os ricos, os ‘socialmente’ fortes são conclamados por Deus para fazer uma renúncia financeira! Essa mensagem é que ressoa no Novo Testamento, e se tornou o cerne da mensagem cristã.
No mundo do século XXI, porém, controlado pelas promessas e estratégias do materialismo/capitalismo, tal palavra não tem peso nem valor. Mas, como muito bem dito pelo próprio Jesus em sua oração sacerdotal, aqueles que creem ou viriam a crer nele não são deste mundo; por isso, suas atitudes e ações são de “outro” mundo, que até são odiadas pelo mundo, porque vão diretamente contra o que é ‘pregado’ aqui.
Ainda, e mais chocante é a preparação da entrega do dízimo, com um fim semelhante de garantir o necessário para aqueles socialmente carentes, o levita, o órfão, a viúva e o estrangeiro:
Deuteronômio 14.27-29 (22-29) – A Entrega dos Dízimos: 27 “E nunca se esqueçam dos levitas que vivem em suas cidades, pois eles não possuem propriedade nem herança próprias. 28 Ao final de cada três anos tragam todos os dízimos da colheita do terceiro ano, armazenando-os em sua própria cidade, 29 para que os levitas, que não possuem propriedade nem herança, e os estrangeiros, os órfãos e as viúvas que vivem na sua cidade venham comer e saciar-se, e para que o Senhor, o seu Deus, os abençoe em todo o trabalho das suas mãos”.
Vemos neste texto (Dt 14.28-29) prescrições para os pobres e os sem-voz baseadas em cima do dízimo. A cada três anos o dízimo deve ser entregue aos socialmente fracos. Concluindo estes pensamentos, a fundamentação para esta entrega não é uma lei, mas MUITO MAIS: É o próprio Deus! É ele que nos faz transcender as barreiras sociais, atingindo a realidade do nosso próximo em estado de penúria e sofrimento.
Assim, de dois dos três anos, o dízimo deve ser consumido no santuário central pelos próprios doadores. Mas no terceiro ano, ele deve ser entregue diretamente em cada povoado às pessoas desamparadas da sociedade, àqueles que não possuem terras.
Esta entrega seria um ato público, no Portão da localidade, que porém, não envolvia nenhuma instituição. Isso pode ser considerado o primeiro imposto social conhecido. Com isso os grupos sem-terra e socialmente fracos adquiriam uma base econômica segura, garantida pela lei, bem como pelo juramento (oração) dos produtores agrícolas:
Deuteronômio 26.13-15 (12-19) 13 Depois digam ao Senhor, o seu Deus: Retirei da minha casa a porção sagrada e dei-a ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, de acordo com tudo o que ordenaste. Não me afastei dos teus mandamentos nem esqueci nenhum deles. […] 15 Olha dos céus, da tua santa habitação, e abençoa Israel, o teu povo, e a terra que nos deste, conforme prometeste sob juramento aos nossos antepassados, terra onde emanam leite e mel.
Uma oração abençoada, que o povo deve fazer, e que reflete a obediência às instruções do seu Deus, que se lembra do clamor do pobre!
Outras provisões em favor dos necessitados
Ainda tem mais: no nosso próximo texto vem o destaque e a instrução que se referem aos juros do dinheiro que alguém teve de pegar emprestado:
Êxodo 22.25-27 (21-27) 25 Se fizerem empréstimo a alguém do meu povo, a algum necessitado que viva entre vocês, não cobrem juros dele; não emprestem visando lucro. 26 Se tomarem como garantia o manto do seu próximo, devolvam-no até o pôr-do-sol, 27 porque o manto é a única coberta que ele possui para o corpo. Em que mais se deitaria? Quando ele clamar a mim, eu o ouvirei, pois sou misericordioso.
Crüsemann apresenta o que ele considera o “início do direito econômico” de Israel. Baseando-se em Êxodo 22.24 (e outros textos) ele busca responder perguntas pertinentes:
Quem são os pobres dos quais se fala aqui? Trata-se de pessoas “livres e capazes diante do direito”, como pequenos camponeses empobrecidos e endividados. Os termos hebraicos significam oprimido (ani), magro, o emagrecido (dal), o socialmente empobrecido (ebyon). São pessoas que têm direitos, mas estão na eminência de perdê-los, tornando-se escravos. A intervenção nestas relações econômicas e tradicionais é o início do direito econômico da Bíblia. O clamor do pobre terá resposta imediata, e severa para aquele que está cometendo o mal. Deus é bondoso. Ele é misericordioso, Ele ouve o clamor dos pobres.
A conclusão a qual chegamos é que segundo o plano do Criador o pobre tem direito de fazer empréstimos sem um avalista e sem a cobrança de juros. Na verdade, isso não é algo periférico, mas central da Torá. E por quê? Uma razão muito simples e muito bíblica (inclusive neo-testamentária): o nosso comportamento em relação a todas as pessoas e especialmente, em relação às que perderam os direitos deve ser correspondente com a bondade de Deus.
Colocando este princípio lado a lado com a máxima da ganância capitalista, podemos notar que vivemos num mundo pouco cristão – muito distante das diretrizes do nosso Criador.
(Extraído do nosso livro/e-book A Generosidade Começa de Cima, Parte II – O que Deus diz em relação aos pobres, págs. 46-50)
Rev. Rudi Augusto Krüger – Diretor, Faculdade Uriel de Almeida Leitão; Coordenador, Capelanias da Rede de Ensino Doctum – UniDoctum rudi@doctum.edu.br
[1] OTTO, [199-] apud CRÜSEMANN, 2002, p. 272.