* Vânia Maria O. Pereira
Era uma vez uma formiga que trabalhava dia e noite e se orgulhava muito de si mesma. Era reconhecida por todos como muito eficiente e esforçada. Isto a enchia de vaidade. Cumpria seu papel à risca: coordenava todo o formigueiro, distribuía tarefas, supervisionava funções, seguindo rigorosos padrões definidos pela Rainha e sucessivas gerações de formigas. Era uma verdadeira líder, congregava todo o grupo em benefício do formigueiro.
Porém, quando terminava seu expediente, lá no fundo de seus pensamentos, com frequência vinha o desejo de mudar de vida.
Sentia que poderia fazer muitas coisas diferentes, gostaria de tentar, mas não se sentia livre, principalmente quando pensava na Rainha e demais formigas. “O que iriam pensar dela?”, ficava ruminando…
A formiga não gostava de admitir, mas sentia uma grande inveja da Cigarra, que vivia a cantar e sabia aproveitar a vida, vivia sempre o presente, sem se preocupar com o futuro. O futuro! Quanta ansiedade, só de pensar no que poderia acontecer, ou não acontecer, se ela não mantivesse todo o controle da situação…
O tempo foi passando, e o desejo de mudar, crescendo dentro dela. Tomou coragem, foi falar com a Rainha, que a desestimulou de qualquer mudança, repetindo o que ela própria acreditou por tanto tempo: – “ que só ela era capaz de manter o formigueiro tão bem”.
Mas ela já estava cansada daquilo, sentindo-se vazia, que “Era tudo tão igual…” e que assim a vida não tinha sentido. Passou a sonhar que o formigueiro poderia funcionar de modo diferente.
As outras formigas começaram a questionar: – “Você tá louca?”; – “Onde já se viu querer mudar tudo?”; – “Você tem uma posição tão boa aqui, tão estável..”; -“Você tem prestígio, é querida, respeitada!”.
Nada disso a satisfazia mais, e ela traçou um plano inovador. Propôs à Rainha, que a partir daquela data, as formigas se alternassem nas funções: as operárias se revezariam na função de líderes. Estas por sua vez, poderiam se ausentar de vez em quando para descansar, fazer treinamentos fora e buscar novos conhecimentos.
Como leitora voraz, buscou na obra de Domenico di Masi, O Ócio Criativo, argumentos para convencer à Rainha de que se ela tivesse mais tempo livre, poderia ter um desempenho melhor e inclusive, desenvolver estratégias mais criativas para o formigueiro.
Desafio aceito, a Formiga foi em busca de cursos de conservação de alimentos, novas técnicas de transporte e armazenamento de produtos, de negociação com outros formigueiros, especializando-se em gestão de formigas.
Leitora também de Kierkgaard, mais do que nunca, a Formiga percebeu que a conquista da liberdade interior ocorre quando alguém é capaz de “optar por si mesmo”, ou nas palavras de Rollo May, que “liberdade é a capacidade do homem contribuir para sua própria evolução”.
Abusada que ficou, sentiu-se encorajada a cursar violão com a Cigarra. Descobriu-se com inúmeros talentos e sentiu-se mais feliz e realizada do que nunca.
Voltou ao trabalho e nas horas vagas, passou a se apresentar em shows, fazendo muito sucesso. Desenvolvendo a autoconsciência, encontrou a liberdade e entendeu a profundidade do sentimento de aceitar quem se é, podendo fazer escolhas e se responsabilizar por elas.
* Vânia Maria O. Pereira – Psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC/Rio, atua em Psicologia Clínica e Organizacional, Professora no Curso de Psicologia do UNEC
Mais informações sobre o autor(a): http://lattes.cnpq.br/2342983547615432