Ildecir A.Lessa
Advogado
Vazio é a palavra utilizada para designar a condição histórica de transição, do desconforto do homem pós-moderno. É um vazio de hipomordenidade. Teve início pela invenção do relógio, marco na transição da sociedade tradicional para a moderna. O relógio passou a marcar o tempo social e artificial. A noção do tempo passou-se linear e não cíclica. Essa noção moderna de tempo criou o sentimento de que o mundo está encolhendo. Distâncias encurtam. Espaço e tempo transformaram. O tempo intemporal passou a substituir o tempo cronológico. O vivencial foi substituído pela aparência, o fato pelo simulacro, o real pelo virtual, as palavras pelas imagens. O tempo eletrônico comanda a vida do mundo, acelerando e diversificando intercâmbios e comércios, trocas e negócios, até mesmo as relações entre os povos. Presente, um mundo sistematizado, tecnificado, pragmático, impondo os princípios da quantificação e da eficiência a todas as atividades, produções culturais, modos de vida e de cosmovisão. Situação caracterizada como “tempo de mudança”, virada de milênio, resultou na revolução tecnológica e informacional, que vem transformando nosso modo de pensar e comunicar, viver, produzir e consumir, atingindo simultaneamente diferentes pessoas em diferentes espaços, constituindo uma economia global, planetária, uma cultura de virtualidade real, que integra diversas culturas em um único universo eletrônico – o ciberespaço, com suas consequências positivas e negativas (Castelis, 2001).
A razão instrumental ordena tempos e espaços, modos de produção e consumo, modos de ver, pensar e agir. A vida das nações, empresas, instituições e partidos passou, a ser organizada segundo padrões universais de eficácia, produtividade e lucro. Nesse caos desorganizado os homens parecem estar perdendo o sentido da vida, da própria identidade. Sujeito cartesiano… Expressões culturais imbatíveis: Coca-Cola, Mac Donald, CNN, Microsolf, Nokia, Apple, Trump, dentre outras, divide o mundo simbólico em ricos e pobres, vencedores e perdedores, miseráveis e bem sucedidos ,encerrando um único mundo desigual. Na hipomodernidade líquida, não há lugar para funções de longa duração. O curto prazo substitui a perenidade. Tudo cai nas malhas da presencialidade, inquieta e assusta. Observa-se a imposição do atual, do presente, do fútil, do frívolo, do culto ao desenvolvimento pessoal e do bem-estar –material, expressão da ideologia individualista-hedonista. Grandes narrativas, discursos tradicionais, ruem-se. O otimismo técnico-científico desmorona, as grandes descobertas envelhecem, assiste-se a queda do sujeito. Nenhuma ideologia política inflama multidões.
A sociedade hipomoderna perde seus ídolos, seus tabus, suas imagens. Inexiste projeto histórico mobilizador. Impera o vazio, sem perspectivas. A despolitização e a dessindicalização agigantam-se, a contestação juvenil e a esperança revolucionária desaparecem. O individualismo contemporâneo está, numa apatia frívola, se instala, que, a despeito das realidades catastróficas, exibidas e comentadas pela mídia. A “res-pública” é banalizada, que o diga Renan Calheiros. A mentira torna-se necessária para manter as instituições em funcionamento, como vem acontecendo no sistema político brasileiro (Jabor, 2005). A situação caótica de crise governamental que o país passa, a lava-jato, Congresso advogando para interesses de seus membros, Senado na mesma linha e, até o STF confunde a população com suas decisões à luz dos holofotes da TV Justiça. Assim vamos caminhando… “o espírito da moda” vem penetrando na esfera da solidariedade e da ética, sem doutrina, sem exigência, sem sacrifícios. Grupos de solidariedade são caracterizados pela efemeridade. Eles aparecem e desaparecem rapidamente no tempo, sem nenhuma vinculação. O efêmero permeia o espaço íntimo e social: tudo é passageiro e fugaz. Até mesmo as relações interpessoais caem na malha do imediato, do pragmático. Eletronicamente dominados pela hipermídia virtual e personalizada, produzida pela sociedade pós-informacional, indivíduos se eletrizam isoladamente em decibéis, fechando-se em seu reduto.
É a sociedade da pressa, da informação rápida, da conexão diária “onde você está?”, “a que horas você chega”, todos conectados, nos corredores, nas ruas, nos prédios, nos elevadores, nas salas de espera, nos velórios, etc , a massa humana aguardando uma “mensagem”, de alívio da ansiedade, do vazio existente, que tudo somado, leva a perda da existência do sentido da vida. É a diversificação, o self-service que organiza a vida na democracia avançada, e que, contraditoriamente, busca unidade e a coesão social na desordem e na comunicação artificial, aberta a todos pelas infovias comunicacionais.