- Obra em homenagem às vítimas do Massacre de Realengo ocorrido em 2011. Considerado à época como o maior massacre em escolas brasileiras até então, a tragédia em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, deixou 12 crianças mortas. O crime foi cometido por um ex-aluno de 23 anos que levou dois revólveres à Escola Municipal Tasso da Silveira e disparou contra os alunos, todos de 13 a 15 anos. (Foto: Tânia Rego/Ag.Brasil)
A ERA DO PÂNICO
Onda de ataques e boatos gerados na internet levam terror ao ambiente escolar. Para entender como o Brasil chegou a esse ponto, o DIÁRIO entrevistou Eliéser Ribeiro, mestre em Sociologia
DA REDAÇÃO – Desde 2002, o Brasil já registrou 25 ataques em escolas, de acordo com levantamento de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Estes são exemplos trágicos de uma estatística alarmante. E recentemente, uma onda de ataques e boatos gerados na internet levaram terror ao ambiente escolar. Para entender como o Brasil chegou a esse ponto, o DIÁRIO entrevistou o professor universitário Eliéser Ribeiro, mestre em Sociologia.
Nos últimos dias, pais e alunos entraram em pânico diante das ameaças. E a palavra ‘pânico’ realmente define a situação, pois significa “algo que provoca susto, medo e sai do controle da razão, medo desesperado que causa uma reação descontrolada; pavor repentino; medo súbito sem razões aparentes que causa reações desequilibradas”. A palavra é proveniente do grego “panikon” que tem como significado susto ou pavor repetitivo. Na mitologia grega o deus Pã, que possuía chifres e pés de bode, provocava com seu aparecimento, horror nos pastores e camponeses. Desta forma a palavra tem em nossa língua o significado de medo ou pavor violento e repetitivo.
A situação chegou a tal ponto que muitos pais se recusaram a levar os filhos para a escolha. Ainda houve o boato propagado na internet que em 20 de abril, data de nascimento de Adolf Hitler e dia que houve do ‘Massacre de Columbine’, nos Estados Unidos, uma série de ataques estariam programados para acontecer no Brasil. A polícia chegou a deter a pessoa responsável por espalhar tal boato, mas mesmo assim, paira certa insegurança no ar e estratégias foram traçadas para assegurar a paz no ambiente escolar.
COLUMBINE
E justamente o ‘Massacre de Columbine’ que parece ser a inspiração de quem comete tal ato, como foi em Suzano (SP), em 2019. Esse massacre ocorreu em 20 de abril de 1999, na cidade de Littleton, no estado de Colorado, nos Estados Unidos. Dois estudantes invadiram a Columbine High School e começaram aquele que foi um dos primeiros massacres em escola a chocar o mundo. Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17, cursavam o 3º ano do ensino médio e por isso não tiveram grandes dificuldades para entrar no colégio. Eles eram alunos medianos, ou seja, não tiravam as melhores notas da sala, mas também não ficavam de recuperação. Eram bons alunos, mas sem grandes amigos. No total, foram 13 mortes, incluindo a dos atiradores, dos alunos e de um professor. O massacre foi o primeiro a ser transmitido em tempo real em muitos canais de televisão norte-americanos, iniciando uma prática que depois se tornaria bastante comum e polêmica: a influência da mídia em casos do tipo. O mais assustador nessa história toda, se é que podemos classificar os fatos dessa maneira, é que os assassinos de Columbine se transformaram em uma espécie de ‘heróis’ para muitos estudantes mundo afora principalmente para aqueles que sofrem bullying e são marginalizados pelos colegas.
REFLEXOS EM CARATINGA
E essa onda de pânico teve reflexos em Caratinga. No último dia 4, um adolescente foi levado à delegacia da Polícia Civil suspeito de postar nas redes sociais uma ameaça a professores e alunos da Escola Estadual Professora Maria Fontes, onde ele estuda, no distrito de Santa Luzia. O celular e o computador dele foram apreendidos.
A diretora da escola percebeu a ameaça em um perfil falso nessa segunda-feira (3). O usuário continha a seguinte descrição: “diaq.ualquer” “diadomasacr3″ e havia postado: “Preparem-se Maria Fontes [nome da instituição de ensino] pois você são os próximos (sic)” e “dica observando minhas futuras vítimas”.
Na ocasião, o delegado responsável pelo caso, Luiz Eduardo, disse que a postagem gerou “pânico no distrito” e “alguns alunos não foram para a escola”. Após ser identificado, o adolescente foi conduzido à delegacia, onde prestou depoimento e foi liberado. “Ele fez uma brincadeira de mau gosto, e garantiu que toda comunidade escolar pode ficar tranquila”, disse o delegado.
- Escola Estadual Maria Fontes, no distrito de Santa Luzia de Caratinga
- Perfil falso criado no Instagram pelo adolescente
A ENTREVISTA
Para entendermos porque chegamos a esse ponto, o DIÁRIO entrevistou o professor e sociólogo Eliéser Ribeiro. Para um problema tão complexo não existem soluções simples. Em determinado ponto da entrevista, ele disse: “Diversos fatores contribuem para o cenário atual de violência nas escolas, incluindo o aumento do acesso a armas de fogo, a disseminação de discursos extremistas nas redes sociais, a vulnerabilidade de jovens a ideologias radicais e a falta de políticas públicas efetivas de prevenção à violência. Além disso, a espetacularização da violência pela mídia pode contribuir para a perpetuação do problema”.
O ambiente escolar tem se tornado cada vez conflituoso. Desentendimentos entre alunos, professores sendo agredidos. Por que houve o aumento de ocorrências policiais nas últimas décadas?
O ambiente escolar tem sido palco de conflitos e violência em muitos países, incluindo o Brasil. Isso levou a um aumento das ocorrências policiais nas escolas nas últimas décadas. Existem várias razões para isso, e vou destacar três delas para organizar nossa conversa.
A primeira razão é o aumento da violência na sociedade em geral, que é transportada para o ambiente escolar. O bullying, a exclusão social e o acesso fácil a conteúdo violento na internet podem exacerbá-la.
A segunda razão é a falta de apoio e recursos para lidar com problemas comportamentais e emocionais dos alunos. A violência nas escolas pode ser um sintoma de problemas mais profundos, como transtornos de ansiedade e depressão. Investimentos em programas de apoio emocional e psicológico para alunos e treinamento adequado para professores e equipes administrativas são necessários para enfrentar essa questão. Além disso, uma das questões que não podemos ignorar é o papel das redes sociais e a facilidade de acesso a conteúdo violento que podem ter um impacto negativo nos comportamentos dos jovens. Vamos falar melhor sobre isso mais a frente.
Por fim, a falta de políticas públicas efetivas para prevenir a violência e promover uma cultura de paz nas escolas é outra razão importante para o aumento das ocorrências policiais. Para solucionar isso, é necessário um esforço coordenado entre governos, escolas e comunidades para criar ambientes escolares seguros e pacíficos. Isso pode incluir campanhas de conscientização sobre a importância da prevenção da violência, treinamento para professores e equipes administrativas sobre como identificar e lidar com problemas de comportamento, e um investimento adequado em segurança e infraestrutura. Envolver os alunos na construção de uma cultura de paz também é crucial.
E essa mudança no ambiente escolar tomou rumos inimagináveis no Brasil. Foram listadas mais de 20 ocorrências de ataques em escolas desde 2002. Existem estudos que apontam as causas desses fatos?
Sim, existem diversos estudos que buscam compreender as causas dos ataques em escolas no Brasil e em outros países. Essas pesquisas mostram que os motivos que levam uma pessoa a cometer esse tipo de violência são complexos e tem muitas nuances.
Um dos fatores que têm sido apontados é o bullying. Muitos dos agressores em ataques em escolas afirmam ter sofrido bullying e exclusão social por parte de seus colegas. Isso pode gerar sentimentos de raiva, vingança e isolamento que podem levar a comportamentos violentos.
Outro fator é a facilidade de acesso a armas de fogo e arma branca. A posse de armas é permitida no Brasil, mas com restrições. No entanto, muitas armas são adquiridas de forma ilegal e acabam sendo usadas em ataques em escolas e outros locais. A falta de fiscalização e controle sobre a venda de armas é um problema grave que precisa ser enfrentado. Um debate que é consagrado na literatura internacional sobre o tema da violência seja o pesquisador de direita ou esquerda é que mais armas na mão da população não gera mais segurança e sim maior risco de mortes.
Além disso, a desigualdade social e a falta de oportunidades podem levar jovens a se sentirem desamparados e desesperados, o que pode contribuir para o comportamento violento. A falta de investimentos em educação e segurança também pode contribuir para a criação de ambientes escolares precários e inseguros.
É importante destacar que não há uma única causa para os ataques em escolas. Cada caso é único e envolve uma série de fatores que podem incluir problemas emocionais e psicológicos, traumas de infância, influência de grupos extremistas, entre outros. Por isso, é fundamental que a prevenção da violência nas escolas seja abordada de maneira ampla e integrada, envolvendo políticas públicas, investimentos em educação, saúde mental e segurança, e a participação ativa das comunidades escolares e das famílias.
A maioria absoluta desses casos deve ser classificada como extremismo de direita, pois envolvem cooptação de adolescentes por grupos neonazistas que se apoiam na ideia de supremacia branca e masculina e os estimulam a realizar os ataques?
Não necessariamente. Embora existam casos de ataques em escolas que foram cometidos por indivíduos associados a grupos extremistas de direita, essa não é a única forma de violência que ocorre nesse contexto.
De fato, muitos dos ataques em escolas são realizados por indivíduos que sofrem de problemas emocionais e psicológicos, e que não têm necessariamente ligações com grupos extremistas. Também há casos em que o motivo da violência é o bullying ou outros tipos de exclusão social, sem que haja necessariamente uma motivação ideológica envolvida.
Quero destacar, mais uma vez, que a violência nas escolas é um problema complexo e que não possui uma resposta simples e direta, mas envolve diversos fatores, incluindo a violência na sociedade em geral, a falta de apoio emocional e psicológico para os alunos, a falta de políticas públicas efetivas de prevenção da violência, entre outros.
Dito isso, é importante reconhecer que a existência de grupos extremistas que promovem ideologias de supremacia branca e masculina é uma preocupação real, e que esses grupos podem tentar cooptar adolescentes vulneráveis para seus propósitos. Por isso, é fundamental que as escolas e as famílias estejam atentas a sinais de radicalização e extremismo entre os jovens, e que ofereçam suporte emocional e psicológico para aqueles que precisam de ajuda. Inclusive há evidências que os últimos ataques ocorridos no Brasil apresentaram relação dos indivíduos com grupos de extrema direita. Há que se investigar e ficar atento a isso!
Esse detalhe chama atenção: Por que somente pessoas do sexo masculino estão entre os autores desses ataques?
A maioria dos casos de ataques em escolas envolvendo tiroteios e outras formas de violência é perpetrada por homens jovens. Essa é uma tendência que se repete em vários países, incluindo os Estados Unidos, onde a maioria dos casos de tiroteios em escolas é cometida por homens brancos jovens.
Existem várias teorias sobre por que os homens jovens são mais propensos a se envolver em ataques em escolas. Uma delas é que, em muitas culturas, os homens são socializados para serem mais agressivos e dominantes do que as mulheres. Isso pode levar a comportamentos violentos quando esses homens se sentem frustrados ou humilhados de alguma forma.
Outra teoria é que os homens jovens são mais propensos a sofrer de problemas emocionais e psicológicos, que podem levar à violência. Além disso, os homens jovens também podem ser mais suscetíveis a pressões sociais e a influências de grupos extremistas, o que pode levar a comportamentos violentos.
No entanto, é importante destacar que nem todos os homens jovens são propensos a cometer ataques em escolas. A maioria dos homens jovens é pacífica e respeitosa, e não deve ser estereotipada ou discriminada com base em um pequeno número de casos de violência.
Em vez disso, é importante que as escolas e as famílias estejam atentas a sinais de problemas emocionais e psicológicos entre os alunos, independentemente de seu sexo ou gênero. É preciso oferecer suporte emocional e psicológico para aqueles que precisam de ajuda, e trabalhar para prevenir a violência em todas as suas formas.
A questão do bullying. Existem casos onde aquele indivíduo que sofre com isso quer se vingar?
Sim, é possível que o bullying seja um fator que contribua para a ocorrência de ataques em escolas. Algumas vítimas de bullying podem se sentir humilhadas, isoladas e desesperadas, e podem buscar vingança contra seus agressores.
É importante destacar que nem todas as vítimas de bullying são propensas a cometer violência em retaliação. A maioria das vítimas de bullying lida com essa situação de forma pacífica e procura ajuda de adultos ou de outros alunos. Muita gente diz assim: mas eu sofri bullying na escola e estou vivo até hoje! É preciso ter muito cuidado, a maioria das pessoas já passaram por isso, mas nem todo mundo está preparado para enfrentar situações assim ao longo da vida. Bullying é muito prejudicial e deve ser combatido de frente pelas famílias e a escola. Atenção bullying não é mimimi, como algumas pessoas querem fazer parecer ser.
Por isso, é importante que as escolas e as famílias trabalhem para prevenir o bullying e oferecer suporte para aqueles que são vítimas dessa violência. É preciso criar um ambiente escolar seguro e acolhedor, onde todos os alunos possam se sentir respeitados e valorizados, e onde o bullying seja visto como uma atitude inaceitável.
O ambiente familiar, incluindo negligências e autoritarismo parental, contribuem para desenvolver um perfil de agressividade no âmbito doméstico que pode se refletir no ambiente escolar?
Sim, o ambiente familiar pode ter um papel importante na formação do comportamento agressivo de crianças e adolescentes. Negligências, abusos e autoritarismo por parte dos pais ou cuidadores podem levar a problemas emocionais e psicológicos, como baixa autoestima, por exemplo, que podem contribuir para comportamentos agressivos. Aliás, precisamos repensar o papel da masculinidade e do pai na sociedade de hoje, que está completamente ameaçada e em insegurança, com as mudanças sociais atuais, mas esse é um assunto para outra oportunidade.
Além disso, a falta de apoio emocional e psicológico em casa pode levar a crianças e adolescentes a buscarem formas inadequadas de lidar com suas emoções e frustrações, como a violência. Quando essas crianças e adolescentes enfrentam situações estressantes ou desafiadoras na escola, podem recorrer a comportamentos agressivos como forma de lidar com essas situações.
Por isso, é importante que as famílias ofereçam um ambiente seguro, acolhedor e amoroso para seus filhos, com regras claras e disciplina positiva. É preciso estar atento aos sinais de problemas emocionais e psicológicos das crianças e adolescentes, buscando ajuda profissional caso seja necessário. A prevenção da violência começa em casa, e os pais e cuidadores têm um papel fundamental nesse processo.
Nesses casos não se tratam de crimes passionais, motivados unicamente por vingança ou raiva desencadeada por um tratamento recebido. Os autores planejam fazer o maior número de vítimas. Eles teriam como objetivo a busca por notoriedade pública e reconhecimento da comunidade virtual?
Sim, em muitos casos de ataques em escolas, os autores parecem ter como objetivo a busca por notoriedade pública e o reconhecimento da comunidade virtual. Esses indivíduos podem sentir-se alienados da sociedade e buscam uma forma de chamar a atenção para si mesmos, muitas vezes de forma violenta e destrutiva.
Através de suas ações, esses indivíduos procuram deixar uma marca na história, fazer parte de uma narrativa maior e serem lembrados pelo que fizeram. Muitos desses indivíduos podem sentir-se inspirados por outros casos semelhantes que ganharam notoriedade na mídia e nas redes sociais, o que pode reforçar a ideia de que a violência é uma forma eficaz de se fazer ouvir.
No entanto, é importante destacar que essa busca por notoriedade não é a única motivação por trás dos ataques em escolas. Como discutido anteriormente, fatores como o bullying, problemas familiares e psicológicos, bem como a facilidade de acesso às armas também podem contribuir para esses eventos trágicos.
Qual a influência da internet, consequentemente, das redes sociais nesses ataques? Essas ações são coordenadas?
A humanidade ainda vai entender no futuro o efeito da internet e das redes sociais no nosso cérebro, na nossa personalidade e nas interações humanas. Digo isso porque não conhecemos minimamente ainda nem o funcionamento do nosso cérebro e muitas pessoas passam mais de 12 horas por dia diante das telas de computadores ou smartphones. Para muitas pessoas o celular se tornou a extensão do seu corpo. E não sabemos o impacto disso ainda.
A internet e as redes sociais podem ter um papel influente nos ataques em escolas. As redes sociais podem ser utilizadas pelos autores desses ataques para planejar e coordenar suas ações, compartilhar informações e ideias com outras pessoas que compartilham de seus ideais extremistas, e também para se comunicar com potenciais vítimas.
Além disso, as redes sociais podem contribuir para reforçar a ideia de que a violência é uma forma eficaz de se fazer ouvir, fornecendo uma plataforma para que indivíduos possam exibir suas ideias e ações violentas para uma audiência ampla.
No entanto, é importante destacar que as redes sociais não são a única causa dos ataques em escolas. Muitos desses indivíduos já apresentavam problemas comportamentais e psicológicos antes de acessar a internet e as redes sociais.
Por fim, vale ressaltar que nem todos os ataques em escolas são coordenados ou organizados em grupos. Muitos desses ataques são realizados por indivíduos solitários que agem sozinhos, sem conexão com outros grupos ou organizações.
O Brasil com sua polarização tem politizado esses ataques?
Sim, tudo é política em sociedade! Até o fato de não querer participar é um ato político! Os ataques em escolas no Brasil, não seria diferente, e têm sido politizados em meio ao contexto atual de polarização política e ideológica no país. Isso ocorre porque muitos desses ataques são cometidos por indivíduos com ideologias extremistas, que muitas vezes se alinham com posições políticas específicas de direita.
Por exemplo, alguns dos autores dos ataques em escolas no Brasil foram identificados como simpatizantes de grupos neonazistas e de extrema-direita. Esses indivíduos frequentemente promovem discursos de ódio contra minorias étnicas, religiosas e de gênero, e utilizam a violência como forma de promover suas ideias e crenças.
Por outro lado, alguns grupos políticos e ativistas utilizam esses ataques como forma de criticar a política de armamento do país e defender medidas mais rígidas de controle de armas de fogo. Outros grupos, por sua vez, utilizam esses ataques para criticar o sistema educacional brasileiro e defender mudanças no modelo de ensino.
No entanto, é importante destacar que a politização dos ataques em escolas pode muitas vezes simplificar as complexas causas e fatores envolvidos nesses eventos, e também pode acabar gerando mais polarização e conflito na sociedade.
O Brasil teve um último governo que cultuava e valorizava a morte. Divulgou e mobilizou o discurso de ódio o quanto pode. Dominou o debate público e as instituições de uma maneira totalmente improdutiva para a vida e o bem-estar da população. Além de tudo, o último governo demonizou as escolas e professores criando ainda mais um clima de tensão e desvalorização da educação.
Precisamos falar de política para tratar esse problema! Mas tem que ser tratado com política pública séria e não com bravata em discurso de internet.
Por exemplo, a Rede Globo mudou sua política de cobertura sobre esse assunto, sendo ainda mais restritiva. Não serão publicados nomes e a imagens de autores dos ataques, assim como vídeos das ações. Como o senhor avalia essa medida?
A medida da Rede Globo, e outros veículos de comunicação, de não publicar os nomes e imagens dos autores dos ataques em escolas, assim como vídeos das ações, é uma forma de evitar que esses indivíduos obtenham a notoriedade e o reconhecimento que muitas vezes buscam por meio desses atos de violência.
Ao divulgarem os nomes e imagens desses autores, a mídia pode estar dando a esses indivíduos a plataforma que eles desejam para disseminar suas ideologias e crenças extremistas, além de estimular ações semelhantes por parte de outros indivíduos que buscam notoriedade.
Além disso, a divulgação de imagens e vídeos dos ataques em si pode ser extremamente prejudicial para as vítimas e suas famílias, além de expor desnecessariamente a violência e o terror que ocorreu naquele ambiente. No entanto, é importante destacar que essa medida não é uma solução completa para o problema da violência em escolas.
Até agora, dentre as medidas que foram propostas para coibir esses ataques, quais o senhor acredita ser mais salutar?
Nos últimos dias muito barulho se fez em torno desse assunto. Muitas famílias e escolas têm tomado medidas extremas. Colocado segurança na porta das escolas, evitado que os filhos vão as aulas, tem escolas até deixando arma na escola. Precisamos ter calma e serenidade para resolver isso de maneira adequada e produzir bons resultados no lugar de medo e desesperança.
Podemos notar algumas propostas interessantes. O governo federal tem se movimentado para criar uma nova forma de regulamentação das mídias sociais, tentando não privar a liberdade, mas ao mesmo tempo controlando o discurso de ódio e grupos extremistas. O governo de São Paulo teve uma resposta também importante, equipar as escolas com profissionais de psicologia para lidar com estudantes com problemas e treinar professores para perceber certos comportamentos incomuns.
Dentre as medidas propostas, algumas das mais relevantes incluem:
- Fortalecimento do sistema educacional, com programas que promovam a inclusão social e a redução das desigualdades socioeconômicas;
- Investimento em políticas públicas que promovam a prevenção do bullying e da violência nas escolas, como programas de mediação de conflitos, campanhas de conscientização e a capacitação de professores e funcionários escolares;
- Regulamentação das redes sociais e combate ao discurso de ódio na internet, com o objetivo de evitar que ideologias extremistas se propaguem e estimulem a violência;
- Melhoria da segurança nas escolas, com a adoção de medidas como controle de acesso, câmeras de vigilância e treinamento de pessoal para lidar com situações de crise.
Vale lembrar que não há uma solução única para esse problema complexo e multifacetado. É preciso adotar uma abordagem integrada e multidisciplinar, envolvendo o governo, as escolas, as famílias e a sociedade em geral. Somente assim poderemos construir um ambiente escolar mais seguro e saudável para todos.
Uma pergunta de difícil resposta: como o Brasil chegou a esse ponto?
Diversos fatores contribuem para o cenário atual de violência nas escolas, incluindo o aumento do acesso a armas de fogo, a disseminação de discursos extremistas nas redes sociais, a vulnerabilidade de jovens a ideologias radicais e a falta de políticas públicas efetivas de prevenção à violência. Além disso, a espetacularização da violência pela mídia pode contribuir para a perpetuação do problema. Solucionar esse problema requer uma abordagem ampla e integrada, envolvendo diversos setores da sociedade e um compromisso real com a prevenção e o combate à violência.
Ao longo do tempo, a escola e os professores foram perdendo o valor dentro da sociedade, muitas vezes sendo vistos como meros prestadores de serviços e não como agentes de transformação social. Essa perda de valorização se reflete na falta de investimento em educação e no baixo reconhecimento salarial dos profissionais da área. É necessário restaurar o valor da escola e dos professores dentro da sociedade, reconhecendo a importância do papel que desempenham na formação dos cidadãos e na construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Isso envolve investimentos em infraestrutura escolar, na formação e valorização dos professores, e na promoção de políticas públicas que incentivem a participação e o engajamento da comunidade escolar. Ouvimos tantos absurdos nos últimos anos contra a escola e contra educadores que precisamos reconstruir muita coisa.
O aumento da violência nas escolas é como um iceberg, onde apenas uma pequena parte é visível, mas há uma estrutura muito maior no fundo do mar. O bullying e a negligência parental são visíveis, mas ignoramos uma série de fatores como a vulnerabilidade dos jovens às ideologias extremistas, a falta de restrições aos grupos online, o fácil acesso a armas de fogo e a disseminação de discursos de ódio. Além disso, a mídia muitas vezes espetaculariza esses ataques, contribuindo para a glorificação dos autores. Precisamos olhar para além da superfície e enfrentar esses problemas de forma integrada, envolvendo escolas, famílias, governo e plataformas online na criação de políticas e estratégias de prevenção e combate à violência nas escolas.
Alguns dos ataques em escolas ocorridos no Brasil nas últimas décadas
Salvador (BA), 2002
Um estudante de 17 anos matou uma colega e feriu outra a tiros no Colégio Sigma, no Bairro de Piatã. O rapaz teria pegado um revólver calibre 38 do pai e escondido a arma na mochila. Os disparos foram feitos depois que a professora pediu para ele fazer um exercício.
Taiúva (SP), 2003
Em 27 de janeiro, um estudante de 18 anos disparou 15 tiros contra cerca de 50 estudantes no pátio da Escola Estadual Coronel Benedito Ortiz, em Taiúva, interior do Estado. Ele usou a última bala do revólver calibre 38 para atirar na própria cabeça e morreu. O episódio não deixou vítimas fatais além do rapaz.
São Caetano do Sul (SP), 2011
Um estudante de apenas 10 anos atirou na professora e se matou em seguida na Escola Municipal Alcina Dantas Feijão, em São Caetano do Sul, no ABC paulista. Ele usou uma arma do pai, um guarda civil municipal. De acordo com colegas e funcionários da escola ouvidos na época, o menino era muito estudioso, inteligente e calmo.
Realengo (RJ), 2011
Considerado à época como o maior massacre em escolas brasileiras até então, a tragédia em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, deixou 12 crianças mortas. O crime foi cometido por um ex-aluno de 23 anos que levou dois revólveres à Escola Municipal Tasso da Silveira e disparou contra os alunos, todos de 13 a 15 anos. Depois de invadir duas salas de aula, ele foi atingido na barriga pela polícia e disparou um tiro na própria cabeça.
João Pessoa (PB), 2012
Dois jovens chegaram à Escola Estadual Enéas Carvalho, em Santa Rita (Região Metropolitana de João Pessoa), em uma moto e invadiram o pátio. Eles usavam uniforme da escola. Um deles atirou contra um adolescente de 15 anos. O atirador disparou outras cinco vezes, atingindo duas garotas. Uma delas, de 17 anos, foi baleada no braço direito. A outra, levou um tiro no pé esquerdo. De acordo com a polícia, o motivo do crime teria sido ciúme.
Janaúba (MG), 2017
Em outubro de 2017, nove crianças, a maioria com quatro anos, e sua professora, morreram em um incêndio provocado pelo segurança da creche, que jogou álcool em suas vítimas. Essa tragédia, em um bairro humilde de Janaúba, cidade de 70.000 habitantes de Minas Gerais, também deixou quarenta feridos. Segundo as autoridades locais, o autor do ataque, que também morreu em virtude das queimaduras, tinha “problemas mentais”.
Goiânia (GO), 2017
Um adolescente de 14 anos matou a tiros dois colegas e feriu outros quatro em uma sala de aula do Colégio Goyases, em Goiânia, em 20 de outubro de 2017. Filho de policiais militares, ele usou a arma da mãe, que havia levado à escola particular escondida na mochila. Segundo a Polícia Civil, o rapaz sofria bullying e o crime foi premeditado.
Medianeira (PR), 2018
Um estudante de 15 anos do ensino médio pegou uma arma e atirou nos colegas em uma escola estadual da pacata cidade de Medianeira, a 60 quilômetros de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná. Tinha uma lista para livrar os amigos – no fim, dois acabaram baleados. O atentado aconteceu no Colégio Estadual João Manoel Mondrone. Segundo a polícia, o autor do ataque seria alvo de bullying na escola.
Caraí (MG), 2019
Um estudante de 17 anos armado com um facão e uma garrucha (arma de cano curto) feriu dois colegas no dia 7 em Caraí, no interior de Minas Gerais, a 543 km de Belo Horizonte.
O crime aconteceu por volta de 8h na escola estadual Orlando Tavares, que fica no distrito de Ponto de Marambaia, na zona rural da cidade.
De acordo com a Polícia Militar, o estudante, que cursa o 3º ano do ensino médio e acabou detido, pulou o muro da escola e invadiu uma das salas de aula, onde desferiu golpes contra os colegas.
Um dos estudantes foi atingido por um tiro no pescoço e o outro foi ferido com golpes de facão nos braços. As duas vítimas foram socorridas.
São Paulo (SP), 2019
Um estudante de 14 anos esfaqueou um professor e, na sequência, desferiu contra si uma facada nas dependências do CEU (Centro Educacional Unificado) Aricanduva, na zona leste da capital paulista, em 19 de setembro.
As facadas causaram ferimentos na região do abdômen da vítima e do agressor, que era apontada como bom aluno e discreto. Ambos foram socorridos.
Testemunhas disseram à polícia que o adolescente escondeu a faca debaixo da manga de sua camiseta. Ele aproveitou a troca de aulas, esfaqueou o professor numa sala, retornou ao espaço onde estudava e desferiu uma facada contra si. O ataque causou pânico e correria entre alunos e professores.
Suzano (SP), 2019
Um ataque na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, deixou dez mortos, incluindo os dois atiradores, e 11 feridos. Os autores do massacre, Luiz Henrique de Castro, de 25 anos, e G.T.M., de 17, eram ex-alunos da instituição. Um dos atiradores acabou matando o comparsa e depois cometeu suicídio.
Saudades (SC), 2021
O ataque em Saudades, no oeste de Santa Catarina, deixou cinco pessoas mortas na manhã de 4 de maio de 2021, quando um rapaz de 18 anos invadiu uma creche do município com um facão de 68 centímetros. Ele matou duas funcionárias da unidade e três bebês menores de 2 anos.
Rio de Janeiro (RJ), 2022
Três adolescentes foram esfaqueados em uma escola municipal na Ilha do Governador, zona norte do Rio, em 6 de maio. Segundo a Secretaria Municipal de Educação, um menino e duas meninas com idades entre 13 e 14 anos tiveram ferimentos leves.
De acordo com a pasta, os jovens da Escola Municipal Brigadeiro Eduardo Gomes foram feridos por um outro estudante. Na época, o prefeito Eduardo Paes (PSD) disse que o jovem de 14 anos apresentava problemas psicológicos e comportamento agressivo.
Barreiras (BA), 2022
No dia 26 de setembro, um adolescente de 14 anos usou a arma do pai, um policial militar, e matou uma aluna cadeirante no Colégio Municipal Eurides SantAnna, em Barreiras, no oeste do Estado. Dois policiais que estavam nas proximidades da escola o detiveram com tiros. A vítima foi Geane da Silva Brito, de 19 anos, portadora de paralisia cerebral, que via na escola uma ferramenta para inclusão e um local onde se sentia segura e acolhida pela comunidade escolar.
São Paulo (SP), 2022
Uma estudante de 12 anos foi esfaqueada por um colega de classe no Colégio Floresta, zona leste de São Paulo, no dia 22 de março de 2022. Um colega de 11 anos que tentou protegê-la acabou ferido também.
O agressor era outro estudante, de 13 anos, e, segundo a polícia, disse que sofria bullying.
A estudante foi golpeada com faca ao menos 10 vezes e teve o pulmão perfurado, mas sobreviveu. O menino de 11 anos teve ferimentos leves.
Morro do Chapéu (BA), 2022
No dia 27 de setembro, um adolescente de 13 anos ateou fogo na Escola Municipal Yeda Barradas Carneiro, em Morro de Chapéu, na Chapada Diamantina, onde estudava, e feriu a coordenadora com o uso de uma faca.
Sobral (CE), 2022
Um estudante de 15 anos morreu e dois ficaram feridos após um adolescente, também de 15 anos, disparar contra os três colegas na Escola Professora Carmosina Ferreira Gomes, em Sobral, no dia 8 de outubro. Ele estava com uma arma de fogo registrada no nome de um CAC (colecionador, atirador desportivo e caçador) e foi apreendido.
Aracruz (ES), 2022
Em 25 de novembro, um adolescente de 16 anos deixou quatro pessoas mortas – três professoras e uma aluna de 12 anos – após invadir duas escolas em Aracruz, no norte do Espírito Santo. No momento do crime, o adolescente ostentava uma suástica (símbolo nazista) em um dos braços, além de roupa tática e duas armas (uma pistola .40 e um revólver 38 pertencentes ao pai policial). Ele foi apreendido e cumprirá até três anos de internação em unidade socioeducativa.
Ipaussu (SP), 2022
Em 14 de dezembro, um ex-estudante de 22 anos invadiu uma escola estadual e feriu com golpes de faca duas professoras em Ipaussu, no interior de São Paulo. O agressor fez outro professor refém, colocou a faca em seu pescoço e resistiu à abordagem da polícia, mas acabou se entregando.
São Paulo (SP), 2023
Um adolescente de 13 anos matou uma professora de 71 anos em ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro em São Paulo em 27 de março. Ao menos outras duas educadoras e um aluno foram feridos com faca na ação criminosa.
Blumenau (SC), 2023
Uma creche foi alvo de um ataque em Blumenau, no Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Quatro crianças foram mortas e cinco ficaram feridas. O ataque aconteceu na creche Cantinho Bom Pastor, que fica na rua dos Caçadores, no bairro Velha. A unidade de ensino é particular. O autor, 25 anos, se entregou a Polícia e chegou a dizer que não se arrependia dos crimes.
Santa Tereza (GO), 2023
Três estudantes ficaram feridos em um ataque realizado por um aluno de 13 anos em uma escola de Goiás. No ataque desta terça, um aluno do Colégio Estadual Dr. Marco Aurélio, em Santa Tereza, município no norte do estado, jogou um pequeno explosivo na escola, esperou que seus colegas saíssem devido ao barulho e começou a atacá-los com uma faca.
Com informações: Portal UAI, Jornal Zero Hora e CNN
- Eliéser Ribeiro é mestre em Sociologia, professor universitário e analista de dados
- Alunos da escola estadual Thomazia Montoro prestam homenagens às vítimas do ataque, na porta da escola, em Vila Sônia (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
- Homenagem às vítimas de Columbine. Embora outros massacres em escolas já tinham sido registrados, o caso deste massacre é considerado por alguns estudiosos como o “o ovo da serpente”, pois esse fato serve como parâmetro para tudo que, ao nascer, possa a vir a ser pernicioso causar futuros prejuízos à coletividade. Na internet é possível encontrar diversas postagens referenciando os autores deste ato nefasto (foto: Suitiati Magnuson/Getty Images)
- Após ato ecumênico na quadra em homenagem às vítimas do massacre de Suzano, parentes, amigos e alunos realizaram um abraço coletivo no entorno da Escola Estadual Raul Brazil, em Suzano. Columbine se tornou um caso emblemático e é considerado uma das inspirações para autores de outros ataques a tiros em escola, como este ocorrido em Suzano em março de 2019, que deixou 8 mortos 11 feridos (Foto: Werther Santana/Estadão Conteúdo/AE)
- Obra em homenagem às vítimas do Massacre de Realengo (Foto: Tânia Rego/Ag.Brasil)
- Imagens do circuito interno mostram os alunos tentando fugir do atirador. Considerado à época como o maior massacre em escolas brasileiras até então, a tragédia em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro, deixou 12 crianças mortas. O crime foi cometido por um ex-aluno de 23 anos que levou dois revólveres à Escola Municipal Tasso da Silveira e disparou contra os alunos, todos de 13 a 15 anos. Depois de invadir duas salas de aula, ele foi atingido na barriga pela polícia e disparou um tiro na própria cabeça