Ildecir A. Lessa
Advogado
O que se pode chamar de realidade é tudo que existe ou acontece concretamente. Todos os seres humanos conscientes, seus pensamentos e ações são parte da realidade. Como existem a criação de obstáculos insuperáveis para a compreensão da realidade, isso faz com que essa realidade tenha um tom distinto, do que se pensa que ela seja. Ela se transforma em uma realidade líquida.
Alguns aspectos da realidade permitem adquirir conhecimento concreto, mas outros resistem à compreensão isenta. O conhecimento é representado por proposições verdadeiras. De acordo com a teoria da correspondência da verdade, as proposições são verdadeiras quando correspondem aos fatos. As crises de imagem criadas por ausência de proposições verdadeiras, estão cada vez mais presentes no nosso cotidiano. Isso porque, em um mundo sempre mais invasivo, onde a linha entre o público e o privado fica cada vez mais tênue, quando outras pessoas podem ter facilmente acesso a uma massa de informações pessoais sobre qualquer cidadão, tudo com a possibilidade de intromissão, que se torna mais viável, graças aos inúmeros avanços tecnológicos.
É impressionante, como é possível que todos nós possamos viver no mesmo universo e, no entanto, enxergar a realidade de maneiras tão diferentes. Não há dúvidas de que fatores específicos a nossa era moderna estão exacerbando a instabilidade coletiva e a falta de confiança- mais exatamente, inovações tecnológicas que ajudam ou encorajam a distorção da verdade e a normalização da mentira, onde a realidade se torna líquida. As mídias sociais ampliam desinformações tóxicas em uma escala sem precedentes e, as incertezas do mundo que vivemos, nos tornam ainda mais suscetíveis às análises distorcidas da realidade, o que faz parecer que essas desinformações nos conduz para a alegoria da caverna de Platão. Na alegoria platônica, prisioneiros vivem acorrentados a uma parede nua e, só podem ver o jogo de sombras projetadas nela por objetos que passam por uma fogueira atrás deles; eles dão nomes às sombras porque, para eles, elas são o que é real.
Assim na caverna, as pessoas se confinam a seus grupos, físicos ou virtuais e, só têm acessos àqueles que concordam com seus pontos de vista. Ausente a discussão, mas presente a desqualificação de pontos de vista discordantes. Quando se tem acesso somente àquilo que se concorda, vai-se aos poucos formando nessa caverna, hordas de extremistas. Em uma sociedade polarizada, os grupos se digladiam para obter o que querem, tentando sempre exercer um controle despótico sobre os outros. Nesse contexto, o efeito de verdade não existe, fora de um dispositivo enunciativo de influência psicossocial, no qual cada um dos parceiros da troca verbal tenta fazer com que o outro dê sua adesão a seu universo de pensamento. O que se busca em tudo isso, não é tanto a busca de uma realidade segura, mas sim, o interesse da formação ideológica de cada um, na defesa de sua permanência na caverna platônica.
Isso tudo, gravita na vida em uma sociedade ciberconectada diariamente, com grande parte das pessoas gastando seu tempo em sites de redes sociais, como o Facebook, na construção constante de um grande palco para que cada vez mais, a realidade se torne líquida.