Psicóloga Tracy Gomes Costa fala sobre o transtorno que atinge grande parcela da população brasileira
CARATINGA – Uma epidemia se dá quando ocorre um aumento no número de casos de uma doença em diversas regiões, estados ou cidades. E nesse caso, a ansiedade, quando se torna um transtorno, é uma epidemia que assola o país.
O Brasil ocupa uma posição alarmante no cenário mundial: é o país com mais casos de ansiedade no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 18 milhões de brasileiros sofrem com transtornos de ansiedade, representando cerca de 9,3% da população. Essa realidade reforça a necessidade urgente de os brasileiros reconhecerem os sintomas para que saibam quando devem buscar ajuda profissional e possam entender mais sobre essa condição que afeta a vida de tantas pessoas.
A indústria farmacêutica investe cada vez mais com medicamentos dos mais variados para tentar combater o problema, e os consultórios dos psicólogos estão lotados de pessoas buscando ajuda para aprender a conviver com a ansiedade, ou ficar livre desse mal que pode causar medo, impedir atividades cotidianas e até reduzir a qualidade de vida.
Para falar do assunto, a reportagem entrevistou a psicóloga Tracy Gomes Costa, que coordenadora da Clínica DesEnvolver Intervenção Comportamental, especialista em Austimo e ABA (ABA é a sigla em inglês para Applied Behavior Analysis, que em português significa Análise do Comportamento Aplicada) – UFSCAR, em Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), em Intervenção Precoce para Autismo, e em Neuropsicologia.
Quais são as causas mais comuns da ansiedade e como ela se desenvolve?
As causas gerais dos transtornos de ansiedade podem ser variadas a depender da influência ambiental, estilo de vida e genética do indivíduo. Fatores de risco para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade incluem: ser mulher, ter um familiar com transtornos psiquiátricos e viver em condições de estresse.
Já o início dos transtornos de ansiedade geralmente ocorre na infância, adolescência ou início da idade adulta. Tendem a ser crônicos, oscilando em apresentações clínicas e subclínicas e por isso o tratamento é importante para evitar escalas em gravidade.
Como posso distinguir entre ansiedade normal e um transtorno de ansiedade?
A ansiedade é uma emoção natural presente e necessária na vida de todos. Ela envolve a antecipação de uma ameaça futura. Diferente do que muitos pensam, essa emoção não é uma vilã. Porém, quando a ansiedade se apresenta persistentemente mais intensa, desproporcional com a probabilidade real e traz prejuízos para a vida prejudicando, por exemplo, as interações, a funcionalidade, podemos estar falando de um Transtorno de Ansiedade. Os Transtornos de Ansiedade incluem transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionadas. Esses transtornos são divididos clinicamente para uma prática mais eficaz, por exemplo: Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), Transtorno de Ansiedade Social, Transtorno de Pânico, entre outros.
Existem fatores genéticos ou ambientais que podem aumentar o risco de desenvolver ansiedade?
Sim, a genética tem grande influência e pode aumentar a possibilidade de transtornos relacionados a ansiedade. Um fator de risco genético é a existência de diagnósticos psiquiátricos na família. Nosso comportamento, pensamentos e sentimentos são afetados pelo ambiente e pela genética. E pensando em saúde mental a interação gene-ambiente não pode ser negligenciada. Hoje também compreendemos sobre a neuroplasticidade – entendendo que as experiências e suas repetições podem alterar o funcionamento do nosso cérebro. Visto isso, o ambiente tem papel significativo e deve ser manejado – sempre que possível – para favorecer uma vida mais saudável.
Quais são os sintomas físicos e emocionais mais comuns da ansiedade?
Como já dissemos, os transtornos de ansiedade incluem várias categorias: ansiedade de separação, transtorno de ansiedade induzido por substâncias, mutismo seletivo, fobias específicas, transtorno de ansiedade social, transtorno do pânico, entre outros. Cada um desses transtornos tem suas características únicas, mas todos compartilham o medo como emoção subjacente. Outras características que podem se apresentar são: inquietação, sudorese, irritabilidade, fatigabilidade, dificuldade em concentrar-se, perturbação do sono, tensão muscular, sensação de tontura ou vertigem, desconforto abdominal ou torácico.
Como a ansiedade pode afetar nossa saúde mental e física a longo prazo? Existe alguma relação entre ansiedade e outros transtornos mentais, como depressão ou transtornos de humor?
Sim, a ansiedade em níveis elevados pode ter um impacto significativo na saúde mental podendo gerar exaustão emocional, redução da qualidade de vida, dificuldades funcionais e relacionais. Também na saúde física, a ansiedade por longo prazo, especialmente se não for tratada, pode gerar problemas no sono, problemas gastrointestinais, cardiovasculares, entre outros.
Além disso, há uma forte relação entre ansiedade e outros transtornos mentais, como depressão e transtorno de estresse pós traumático (TEPT). Manejar a ansiedade é fundamental para evitar complicações e melhorar a qualidade de vida.
Quais são as técnicas de enfrentamento mais eficazes para lidar com a ansiedade no dia a dia?
Como estamos falando de uma variabilidade de transtornos, cabe destacar que algumas práticas podem ser mais eficientes para um que para outro, além de considerar a apresentação única do transtorno em cada indivíduo. Mas a evitação é um comportamento que potencializa os transtornos de ansiedade. Esquivar-se das situações que causam medo impede a criação de novos repertórios comportamentais, fortalecendo o medo. Logo, ficar atento às situações que costuma evitar pode ajudar a compreender e programar mudanças.
De maneira geral, estar em acompanhamento psicológico permitirá o aprendizado de estratégias individualizadas para lidar com as situações problemas.
Como a terapia cognitivo-comportamental (TCC) pode ajudar a controlar a ansiedade?
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é uma abordagem da psicologia, que apresenta comprovações de eficácia para o tratamento da ansiedade.
Nossos pensamentos são as lentes que usamos para ver o mundo e a maneira como estão essas lentes (disfuncionais ou não) podem afetar a qualidade da nossa vida. A TCC tem como objetivo auxiliar o indivíduo a identificar e modificar padrões de pensamentos disfuncionais e comportamentos que contribuem para a manutenção da ansiedade. É um processo e o paciente tende a desenvolver um maior autoconhecimento além de aprender estratégias para situações ansiogênicas.
A medicação pode ser útil no tratamento da ansiedade? Quando ela é recomendada?
Sim, a associação da psicoterapia com a utilização de psicofármacos pode ser necessária para muitos casos.
O início ou não de medicação é uma indicação médica e portanto manter o acompanhamento psiquiátrico em casos de transtornos de ansiedade, é necessário. É importante compreendermos que os transtornos podem afetar a disponibilidade neuroquímica em nosso cérebro e que então as medicações podem auxiliar muito para um melhor prognóstico.
Quais mudanças no estilo de vida ou práticas diárias podem ajudar a reduzir a ansiedade de forma sustentável?
A ciência mostra que não controlamos os nossos genes, mas pode – e deve – controlar o ambiente, especialmente para as crianças. Então para os pais, a orientação é para que invistam na relação com seus filhos, procurem conversar sobre as emoções, além de proporcionar um ambiente com menos estressores e menos telas.
Já para os adultos, é comum que pessoas com ansiedade negligenciem o sono, as interações sociais e adotem comportamentos compensatórios prejudiciais (comer de maneira compulsiva ou não nutritiva, ingestão demasiada de álcool, jogos, entre outros), criando um ciclo vicioso que agrava a condição. Fique atento às suas emoções e comportamentos e se for preciso busque um profissional da psicologia para fazer psicoterapia.
A orientação prática é para que deem atenção especial ao sono. Criem uma rotina para facilitar a previsibilidade e incluam nela atividades físicas com constância. Separe momentos para socializar além do trabalho e invista em atividades prazerosas.
Para pessoas que já apresentam Transtorno de Ansiedade manter o tratamento com psicólogo e psiquiatra para personalização de intervenções e estratégias.
- A ansiedade é a antecipação da ameaça futura e é mais frequentemente associada a tensão muscular e vigilância em preparação para o perigo futuro e comportamentos de cautela ou esquiva (evitação) (imagem ilustrativa – iStock – Peopleimages)
- Psicóloga Tracy Gomes Costa
- Tracy Gomes explica como identificar e lidar com o transtorno de ansiedade