José do Carmo Veiga de Oliveira
Promulgada no dia 08 de dezembro de 2004, a Emenda Constitucional n. 45, instituiu o que se convencionou chamar de “Reforma do Poder Judiciário”, mediante a alteração, nova redação e inserção de dispositivos que tiveram por finalidade específica dar uma “nova” roupagem à entrega da prestação jurisdicional no Brasil.
No entanto, é de se estabelecer que essa “Emenda Constitucional” foi concebida sob o manto do Documento 319, do Banco Mundial, consubstanciado em estudos desenvolvidos por Maria Dakolias, que elaborou a proposta de um modelo de Poder Judiciário, trazendo-o para alguns países da América Latina, do Caribe, incluindo-se o Brasil, um modelo pelo qual foi adotada a Política Econômica Neoliberal, de modo a se estabelecer um “Estado Mínimo”. Com isso, gerou-se um Sistema capaz de proporcionar mudanças tais a ponto de se estabelecer uma grande reforma no Poder Judiciário dos chamados “países periféricos”, que não apresentavam um “Judiciário Confiável”, no sentido de que a independência da Magistratura Nacional não permitia aos investidores estrangeiros mecanismos rápidos de prestação jurisdicional, visando o resgate dos investimentos no Brasil, especificamente, portanto, diante do padrão brasileiro de entrega da prestação jurisdicional.
Dentre os muitos pontos que foram instituídos pela referida Emenda Constitucional n. 45, encontra-se, apenas a título de menção, a criação do Conselho Nacional de Justiça (também conhecido como controle externo), frisando-se que essa Emenda tramitou durante mais de dez (10) anos no Congresso Nacional, dada a resistência encontrada e que, afinal, foi vencida, já que o Judiciário Brasileiro não aceitava a proposta de criação de “súmulas vinculantes”, e menos ainda a ideia de que tais súmulas quebrariam a independência da Magistratura Brasileira, pois, o referido mecanismo “engessaria os Magistrados” quanto à sua independência jurídica.
Não bastasse esse senão, posteriormente, veio a mudança do conhecido “Novo Código de Processo Civil” – a cereja do bolo cuja receita foi escrita pelo Banco Mundial – porque, inicialmente, o propósito foi quebrar a independência jurídica da Magistratura Nacional, com a criação das referidas súmulas vinculantes. Posteriormente, veio a criação de mecanismos por meio dos quais seria possível estabelecer os chamados “precedentes”, também vinculantes, por meio dos quais seria estabelecido o “efeito vinculante”, de modo que todos os julgados proferidos pelo Judiciário Nacional, a partir do Supremo Tribunal Federal, vinculariam os Juízes de todo o País e assim os Tribunais, alcançando até o menor dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
A isso entendeu de chamar, por alguns processualistas de plantão, de “mesclagem entre as duas grandes famílias do Direito” – o civil law e o common law. A primeira delas – civil law – tem por característica básica e fundamental uma forma por meio da qual o legislador elabora a lei mediante hipóteses que, se concretizadas, subsumem ou, ainda, tomam a roupagem da lei, como que tipificando as situações por meio das quais a lei será aplicada. A segunda delas – a common law – em razão das decisões proferidas pelo Judiciário concretamente, estabelece o Direito que será aplicado aos casos supervenientes submetidos à apreciação do Estado-Juiz.
Portanto, estamos diante de uma situação bastante curiosa, porque, quando há países pelo mundo afora passando a adotar o sistema jurídico por meio de legislação – sistema civil law – deixando o conhecido common law, de origem anglo-saxônico -, o Brasil, uma vez mais, entra na contramão e toma a direção oposta àquela que países verdadeiramente desenvolvidos vêm rejeitando. No entanto, nesse contexto, o que mais chama a atenção é o fato de que, para se permitir a edição de súmulas vinculantes, houve a necessidade de se obter autorização constitucional mediante emenda para a adoção dessa nova sistemática. Todavia, em se tratando de “precedentes vinculantes”, com muito maior incidência que as referidas súmulas, decidiu-se partir da premissa de que a própria legislação processual poderia se incumbir de estabelecer essa nova modalidade de trâmite processual, independentemente de autorização constitucional. Isso é gritante diante dos efeitos que os chamados “precedentes vinculantes” produzirão em breve em nosso Judiciário. Basta aguardar para “colher” os frutos dessa receita intervencionista na entrega da prestação jurisdicional no Brasil.
É tão séria essa realidade que vários dispositivos desse “Novo” Código de Processo Civil alteram a própria Constituição da República para modificar a competência do Supremo Tribunal Federal e, assim, a roupagem do recurso extraordinário, mediante edição de lei infraconstitucional e, consequentemente, inconstitucional. Basta examinar o texto do artigo 928 e seu parágrafo único, do NCPC, para se chegar a essa conclusão. Recentemente, o Min. Alexandre Morais, em um dos tantos julgamentos de que participou, afirmou, categoricamente e, nem mesmo precisaria fazê-lo, que o STF não admite a extensão de sua competência mediante lei infraconstitucional… Quanto ao Superior Tribunal de Justiça, também não é diferente, basta examinar o mesmo artigo 928, do NCPC. Esse é apenas um dos pontos mais gritantes dessa investida contra a Constituição de 1988 e a legislação processual brasileira.
Diante de todo esse relato histórico, para se resgatar essa matéria, encontramos no artigo 5º, inciso LXXVIII, da CR/1988, como sendo o último dos direitos e garantias constitucionais, o texto seguinte: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Percebe-se, pois, que por mais que se busque conciliar celeridade x segurança jurídica, corre-se o imenso risco de se proferir decisões nulas em face de não assegurar às partes litigantes a necessária garantia de entrega de prestação jurisdicional tempestiva. O que para um pedido pode ser decidido de modo rápido, para outro, deverá se cumprir as mesmas exigências, porém, de outro modo, em virtude das particularidades de cada caso. Mas, o texto constitucional é claro, ainda que não seja preciso e garantidor, efetivamente, de celeridade processual, porque, a primeira preocupação do Julgador é a de garantir, a todos, indistintamente, a melhor segurança jurídica para a decisão que profere, de modo a fazer justiça às partes, efetivamente.
É comum, infelizmente, que nas Câmaras dos Tribunais de Justiça deste imenso País, várias sentenças proferidas em Juízo de primeiro grau sejam “cassadas” ou anuladas, em virtude de não expressarem e nem garantirem a segurança jurídica necessária e indispensável, em razão de “atropelar” determinadas exigências processuais, considerando-se que o formalismo processual é o que garante a necessária segurança jurídica, visando a preservação e proteção da própria entrega da prestação jurisdicional enquanto integrante do Poder Judiciário.
Para isso basta compreender a seguinte analogia: o lavrador não lança a semente à terra antes da primeira chuva e nem colhe o fruto do seu trabalho antes da última chuva. Ou seja, existe um ciclo determinado pelo começo da tramitação do processo, sua fase intermediária e, também, a final, que resulta no proferimento de sentença pelo órgão estatal do Judiciário. Devemos, considerar, ainda, que há culturas que levam anos a que se permita a sua colheita, alegrando o coração de quem a cultiva.
Logo, ao invés de produzir segurança jurídica, está-se produzindo um estado tal de insegurança que aos Tribunais não resta alternativa senão a de anular a sentença e determinar que essa ou aquela providência ou medida judicial sejam aplicadas ao caso concreto para, somente então, proferir-se a sentença de mérito. Isso gera retardo na tramitação processual, desconforto e insatisfação para as partes litigantes, que não conseguem entender e aceitar as decisões superiores em face da inobservância de tais situações, não se olvidando do conhecido “sistema de metas” editado pelo Conselho Nacional de Justiça, a exigir proferimento mínimo de 10% do estoque de sentenças, além de todos os processos que se iniciaram e que devem ser “encerrados” no mesmo ano de seu ajuizamento.
Por isso devemos estar atentos à conhecida duração razoável do processo e a prestação jurisdicional célere, de modo que, conciliar esses dois pontos antagônicos entre si requer extremada dedicação e segurança no ato de prestar a jurisdição, porque, se for ferida qualquer formalidade que se entenda essencial para o proferimento de sentença ou decisão final, fatalmente, encontrará o intransponível v. acórdão de instâncias superiores, capazes e dotados de autoridade jurisdicional suficiente a declarar a sua nulidade absoluta e sem qualquer chance de aproveitamento dos atos que se encontrarem maculados.
Não se pode olvidar, ainda, que todos os processos que se encontrem na iminência de terem seus julgados proferidos pelo Estado-Juiz, necessitam, por óbvio, de uma análise de toda a sua tramitação, para que, se encontrada alguma situação que possa impedir o ato de sentenciar, os vícios eventualmente encontrados devem ser sanados ou regularizadas as possíveis incorreções, de modo a se evitar que, em grau de recursos, sejam anulados os seus julgados, trazendo inequívoco prejuízo às partes e, é claro, ao próprio Judiciário.
Tenhamos, portanto, em mente, o fato de que, ainda que se postergue, um pouco mais o proferimento da decisão, o benefício é para as próprias partes, visando a garantia de que a entrega da prestação jurisdicional pode até levar um pouco mais de tempo, mas, na busca do acerto e da indispensável segurança jurídica no ato de julgar de modo justo, correto e seguro.