* Angela Imaculada Ferreira da Silva
Lentamente
A neblina fria recobre as plantas, os bancos e o monumento do pequeno jardim. Faz tênue a luz dos postes que ainda estão acesos a espera da luz plena do Sol para se desligarem.
Lentamente, aparece o Sol atrás de um morro que insistentemente chamam de montanha.
Na calçada, só o barulho do meu salto, passo a passo cortando o vento frio que parece soprar só em minha direção.
Passa um carro ou outro e… Silêncio novamente. As luzes dos semáforos mudando de cor controlando um trânsito inexistente, controlando o nada.
Nos poucos bares que se abrem ou que não se fecharam talvez, o primeiro café perfuma o ar. Poucas são as pessoas que tomam o café ainda no balcão e como zumbis, somem na neblina, encolhidas na tentativa de se aquecerem.
Os garis se movimentam e o arrastar das vassouras parece fazer parte do próprio corpo num estranho e silencioso bailado. Parecem invisíveis. Não falam, não sorriem, não olha o Sol nascer, não percebem o dia amanhecer. Apenas varrem.
Já é possível ver estudantes sonolentos, sem pressa, com mochilas que parecem fazer parte de suas silhuetas se arrastando em direção às escolas. Me junto a eles e o sono ainda tenta roubar-me do mundo real. Como a própria cidade, tento acordar.
A cada esquina, pareço mais só e tento compactar a solidão às ruas vazias. Tento identificar sons no meio do silêncio e consigo identificar um pássaro ou outro nas árvores que ainda sobraram.
Solidão. É isto que a cidade murmura ao acordar.
Pareço-me com um invasor quebrando esta solidão com o ruído dos meus passos. Ouço ainda um pequeno córrego que jaz morto há muito tempo engolido pelo esgoto e pelo lixo. Suas águas, como num suspiro agonizante, clamam pelas águas do verão que vingarão sua morte.
As horas passam e em meio a neblina que agora parece fugir do Sol, surgem mais carros que fazem o asfalto despertar e o movimentam o ar frio fazendo algumas folhas se espalharem. Parece o cenário de algum filme, só falta trilha sonora, pois o ator principal já está atuando: eu.
Próxima esquina, uma avenida se estende e já sei que encontrarei como em todas as manhãs aquele louco. Sim, um louco pelo mundo que desperta a rua com seu canto incompreensível, que desperta quem vai trabalhar, quem quer ainda dormir e quem tem preguiça de viver.
Nesta mesma rua, pontualmente, todas as manhãs, como num encontro marcado, cruzo com um homem e seu cão. Faça chuva, Sol, frio ou calor, eles passam por mim e seguem o caminho. Consigo ouvi-lo dialogando com o cão. Parecem trocar ideias, segredos, conseguem ser apenas um, sem se importar que alguém o ache louco. Afinal, é no silêncio da madrugada que os loucos se revelam sem precisar do disfarce de homens sérios.
Sim, é no silêncio da madrugada que os bêbados se curam, que os boêmios acham o caminho de casa, que os bandidos mostram a crueldade que só a alma humana pode abrigar. É no silêncio do início da manhã que chego ao meu trabalho e incorporo a ele a minha necessidade de descrever os caminhos de uma cidade que desperta lentamente…
* Angela Imaculada Ferreira da Silva, Coordenadora da Área de Humanas da Escola Professor Jairo Grossi, pós graduada em História Contemporânea e em Análise Ambiental para gerenciamento de Recursos Naturais.