Nascido em Caratinga, Sebastião Bomfim Filho é dono da maior loja de artigos esportivos da América Latina, a 12ª do mundo
Sebastião Bomfim Filho, presidente da Centauro, é um dos maiores exemplos de empreendedorismo no Brasil. Natural de Caratinga, ele se recorda da infância e do primeiro emprego (aos 9 anos de idade); também fala dos caminhos difíceis que o levaram a uma trajetória de sucesso.
Em 1981, aos 26 anos de idade, Bomfim fundou a Centauro, em Belo Horizonte, que hoje tem 187 lojas em 22 estados do Brasil e no Distrito Federal. Mas, se engana quem pensa que foi fácil chegar a essa marca. Sebastião precisou lidar com os altos e baixos dos negócios, até se tornar um vencedor.
Nesta entrevista, gentilmente concedida ao DIÁRIO, o empresário se recorda de sua infância em Caratinga, os desafios e deixou dicas para quem deseja começar um negócio.
O senhor nasceu em Caratinga. Fale um pouco sobre sua infância e família.
Morava no Barro Branco. Meu pai tinha a Casa Bomfim e uma loja de máquinas. Fiquei em Caratinga até 11 anos de idade, os melhores 11 anos da vida. Passei uma infância que costumo chamar de infância dos sonhos. Livre, que você pode sair, não tem a questão do medo, da violência. De nadar no Rio Caratinga, na Fazenda do Feliciano Miguel Abdalla; pegar manga lá no quintal do Palácio do Bispo. Isso marca uma vida inteira. Da Rua das Baratas, onde tinha os meus amigos todos. Ainda tenho familiares na cidade, com muito orgulho, muito prazer. São contatos mais esporádicos, mas com muito carinho.
Como o senhor deu início à sua vida profissional?
Minha vida profissional começou ainda em Caratinga. Meu pai era bastante rígido na criação dos filhos e quando fiz nove anos, ele já tinha a Casa Bomfim. Sou de uma família de 10 irmãos, oito mulheres e dois homens. Na época eu era o único filho homem, pois meu irmão ainda não havia nascido. Queria que meu pai me desse um cavalo daqueles malhados e na época ele me deu foi um emprego na Casa Bomfim. Tive de ir com ele de manhã para a loja e à tarde para o grupo escolar Princesa Isabel.
Aos nove anos, era possível levar a sério um emprego?
No início, como era garoto, ia lá para a Casa Bomfim e tratava de brincar. Era um garoto que os parentes davam como um “caso perdido”, não por estar envolvido em brigas, mas coisas de garoto. Como disse, nessa infância dos sonhos em Caratinga sempre tive muita liberdade de sair, de brincar. Mas, ao longo do tempo, junto comigo trabalharam várias pessoas, um deles inclusive foi um dos donos da São Geraldo, Porcaro e até José Alencar (ex-vice-presidente da República), que trabalhou com meu pai muito tempo.
Como nasceu a Centauro?
Meu pai faleceu, eu tinha 16 para 17 anos. Mas, como filho homem mais velho tive que assumir parte dos negócios da família. Minha irmã assumiu a empresa de ônibus de Belo Horizonte e eu fui cuidar das duas fazendas em Caratinga. Aos 22 anos montei um escritório de representação, de balança, pra pesar boi. Aos 24 anos, comprei uma pequena fábrica de balança de Belo Horizonte e aos 26 anos já tinha mais de 60 empregados. Com 28 anos, tive um problema de fluxo de caixa e precisei fechar a fábrica. Paguei todo mundo, mas tive que fechar. Sobrou US$ 10,5 mil do valor da venda das máquinas, da indústria. Com esse capital passei o tempo pensando no que ia fazer da vida. Primeiro decidi que queria fazer varejo, porque era algo que eu gostava desde pequeno, de estar em lojas. Segundo, decidi que seria produto esportivo porque na década de 80 as pessoas já estavam começando a sair do sedentarismo. Sempre gostei muito de esportes. Então, pensei, vai ser esportes.
O senhor se transformou no maior vendedor de artigos esportivos da América Latina. A que atribui essa marca?
A Centauro é a 12ª maior do mundo. Na época Centauro já me pareceu algo que representava o esporte pela força do cavalo, com a inteligência. Claro que na mitologia grega não era bem essa a representação do Centauro, mas acho que tinha essa posição. Não era um nome forte e fácil de guardar.
O senhor se considera um workaholic?
Já fui. Quando minha filha nasceu era uma época que eu não tirava férias. Ficava mais de 10 anos sem tirar nenhum tipo de férias. Não sei se teria feito tão diferente do que fiz, se tivesse tido mais tempo pra cuidar dessa primeira filha. Claro, foi sempre muito bem cuidada, mas digo em relação a estar com ela. Enfim, mas, muito para o esporte também é essa questão do equilíbrio. Se você fizer demais, você tem risco de contusão, ou até de algo mais sério. Então, é extremamente saudável, mas tem que ter um tempo para descansar.
Se arrepende?
A partir dos 50 anos tive essa posição e a empresa teve inclusive o maior crescimento de sua história. Exatamente quando você tem um pouco de tempo pra viajar, de ver a empresa do lado de fora, o que está acontecendo. Mas, acho que a vida é uma eterna busca do equilíbrio.
O senhor se inspira em algum empreendedor de sucesso?
Sim. Li bastante e pesquisei sobre Barão de Mauá. Começou exatamente como lojista e se tornou um dos maiores empresários que o Brasil já teve em todos os tempos.
Qual foi seu maior desafio como empreendedor?
São vários. Empreender no Brasil, por si só. É um país em que o governo dificulta tudo, já é um enorme desafio. Começar a operar em estados diferentes, hoje a Centauro opera em 22 estados mais distrito federal, mantendo o mesmo padrão de atendimento, de lojas, de pessoas, acho que foi um dos grandes desafios que a gente teve. O maior deles sem dúvida foi quando resolvi transformar a Centauro, numa loja de 150, 200 metros para modelo de loja de 2000, 2200 metros quadrados. Foi um desafio enorme, porque ali estava colocando em risco tudo aquilo que já havia construído. Era um caminho que não tinha muito espaço pra dar errado. Foi um momento onde a Centauro saiu de um modelo já existente no Brasil para algo inédito. Hoje a Centauro é a sexta maior rede de vestuário do Brasil.
Como lidar com os altos e baixos do mundo dos negócios?
Sou um empresário que sobreviveu a sete planos econômicos, cinco moedas diferentes, então acho que me proporcionou a agilidade na capacidade de adaptar ao novo cenário. Estamos vivendo hoje um cenário extremamente difícil da economia brasileira. Já em 2014 a 2015 reduzimos o número de abertura de lojas. Então no momento de crise, gosto muito de falar para os jovens, o jovem brasileiro é muito empreendedor, é que o patrão da empresa não é aquele sócio majoritário, é o fluxo de caixa. Porque, se uma empresa não vai bem no ano, dá até prejuízo, não necessariamente a empresa quebra. Mas, se faltar dinheiro no caixa, sim. Com 30 dias, se está em maus lençóis.
O senhor acredita que existe uma fórmula para o sucesso?
Existe. São três tópicos. Primeiro é trabalho, segundo é trabalho e terceiro é trabalho também. Não tem outra forma. Através do trabalho que você faz tudo. Costumo dizer que a diferença é de quem toca o negócio. Acho que o trabalho aliado à persistência, talvez seja o caminho.
Como desenvolver uma ideia que ainda está no papel?
A ideia é só um dos componentes. Quando tive a ideia, primeiro formulei e criei qual seria o caminho. Por exemplo: “Eu quero ser empresário”. Esse é o primeiro tópico, definir. Se você trabalha pra alguém, você tem a posição do final do mês o seu salário. Empresário é zero segurança. É técnica, trabalho e físico. Para empreender é preciso ter muita vontade. Buscar de maneira formal ou informal ampliar os seus conhecimentos, seja acadêmico, específicos, ler muito, isso tudo faz parte. A vontade é apenas uma das coisas.
Nos momentos de crise, alguns empresários têm o hábito de cortar em publicidade e em patrocínios culturais ou esportivos. A Centauro patrocina o tenista Marcelo Melo, que acaba de vencer o torneio de duplas de Roland Garros. Qual o retorno que os patrocínios trazem para as empresas?
O Marcelo Melo é o caso típico de um jovem em que vi uma força de vontade enorme, garra, além de ter o talento que é natural. Quando começamos com o Marcelo ele era o número 198 do mundo. Nesse trabalho todo de apoio e a determinação dele; um bate papo sempre, hoje ele é o terceiro duplista do mundo. Acabou de ganhar mais um torneio. Esse deu maior visibilidade.
A chegada das Olimpíadas de 2016 é considerada o período de ouro para o mercado de artigos esportivos?
Sem dúvida, a Copa do Mundo, por exemplo, em que fomos um dos patrocinadores, talvez tenha sido o maior investimento em marketing que o Centauro fez. Apesar de chegando na semifinal a gente tomou um 7 x 1 (risos), foi um momento único na vida da empresa. A Copa do Mundo tem sempre mais efeito sobre venda. Mas, as Olímpiadas vão ser algo bastante novo para os brasileiros, porque nos ainda temos no Brasil quatro modalidades de esporte ou atividade física que se destacam muito mais do que as outras. Acho que as Olímpiadas vão trazer várias outras modalidades esportivas. Por exemplo, sei que Caratinga sempre teve uma motivação, sempre fui torcedor no CTC, tinha dois times. Caratinga sempre teve uma vocação muito grande para o salão. É uma belíssima forma de projetar uma cidade, sendo líderes em outras modalidades esportivas. O Brasil de repente se tornou campeão mundial em handebol feminino. Ninguém falava nisso. Minha sugestão é que Caratinga dê esse apoio ao esporte, algo que a agregue à cidade inteira.
“Fiquei em Caratinga até 11 anos de idade, os melhores 11 anos da vida. Passei uma infância que costumo chamar de infância dos sonhos”.
“Se você trabalha pra alguém, você tem a posição do final do mês o seu salário. Empresário é zero segurança”.
Por Nohemy Peixoto