- Eugênio Maria Gomes
Há alguns meses nosso tempo andava bem escasso e era praticamente todo consumido nas tarefas ligadas ao trabalho, nos compromissos sociais, nas redes sociais, ou nas compras, entre outras. Para as demais atividades sempre faltava tempo, principalmente para dormir mais, fazer uma refeição com calma, brincar com os filhos, ler um livro, ir ao cinema, enamorar a parceira, o parceiro… E como isso nos incomodava. Chegamos a abrir campanha conta o uso excessivo da tecnologia, colocamos o movimento slow em evidência, buscando distribuir melhor o tempo em outras atividades que, também, são muito importantes. Mas, de repente, veio essa necessidade de isolamento social. Muitos tiveram seus contratos de trabalho suspensos e, outros, passaram a atuar em home office. Até para os que mantiveram a atividade profissional no módulo presencial, faltaram lojas para comprar, bares para se divertir, reuniões para frequentar, já que alguns setores da indústria e do comércio tiveram de cerrar as portas por um período. Ou seja, aquilo que tomava a maior parte do nosso tempo, simplesmente foi desativado, provisoriamente.
Fomos para casa, meio que “aquartelados”, sem saber exatamente quanto tempo ficaríamos lá. Nos primeiros dias, foi tudo muito complicado, pois os dias não passavam, a gente tinha que ficar procurando coisas para fazer. Lembro-me, perfeitamente, da angústia que eu senti na primeira semana de quarentena, por não conseguir ficar parado e me sentia meio que inútil, por conta da quantidade de coisas que costumava fazer, ao mesmo tempo. Comecei a reformar e a pintar a casa, depois a arrumar gavetas, armários, guarda-roupa, geladeira… O interessante é que, na medida em que as atividades extras foram terminando, eu não as substituí. Passei a gastar mais tempo em tarefas rotineiras, como lavar o próprio talher, arrumar a cama, falar com os filhos e netos na vídeo-chamada, a rezar com mais calma ao me deitar e ao me levantar, a comer à mesa, a ler e escrever com mais calma… E, assim, comecei a perceber que faltava tempo para viver as 24 horas de isolamento social. E como tenho ouvido isso das pessoas!
Muito estranho isso, faltar tempo para conseguir fazer aquilo que nem era prioridade há poucos meses. Passei a participar de grupos sociais, a realizar reuniões de trabalho no formato online e de encontros familiares pela internet. Passei a me exercitar em casa e, mais do que em qualquer outro período da minha vida, deixei que o computador e o celular assumissem lugar de destaque em minha rotina.
E o que tenho escutado das pessoas me permite dizer que, inexplicavelmente, estando em casa, passamos a ficar sem tempo. Nada diferente do que tínhamos antes, pois também não tínhamos tempo. O que mudou é o agente que tem impactado em nossa ocupação do tempo e do espaço.
Antes, era a correria do dia a dia, os percursos que precisávamos percorrer entre uma atividade e outra, era a cronometragem do tempo. Agora não. Temos 24 horas, em casa, para fazermos o que precisa ser feito. Aí deixamos aquela “manha”, tão comum nos fins de semana, tomar conta de todos os nossos dias: amanhã faço isso, depois do almoço faço aquilo, vou cochilar um pouco, quero me levantar mais tarde, depois respondo, vou comer uma bobagem e depois eu almoço… Passamos a administrar a utilização do nosso tempo, só que sem disciplina… Haja tempo para dar conta da nossa vontade própria.
Sinto que esta valorização de coisas às quais não dávamos importância, veio para ficar. Não sei se poderei deixar de fazer tudo isso e voltar, exatamente, ao modo de ser e de fazer as coisas de algum tempo atrás. E isto tem me preocupado, pois daqui a pouco, se Deus quiser, voltaremos a uma certa “normalidade”, o tal do “novo normal”, mas que trará com ele, em algum momento, percursos a serem vencidos entre as atividades, horários a cumprir, compras a fazer, encontros a realizar e, na outra ponta, teremos desejos relacionados a almoços mais calmos, à roda de conversa com a família, à leitura diária de um livro e às gostosas vídeos-chamadas com os netos, os amigos e familiares…
Impressionante como o mundo gira, as coisas acontecem e nos encontramos, sempre, frente a frente com as incertezas que a vida nos traz. Nossa vida sempre à mercê das nossas escolhas. A vida inteira escolhendo entre uma coisa e outra, mas, nada mais salutar que ter a oportunidade de escolher caminhos, de experimentar o novo e, até, de correr riscos. Numa permanente tentativa de fazer as escolhas corretas, sabendo que o Tempo não perdoa quem perde tempo fazendo as escolhas erradas.
Viver é, com certeza, correr riscos, tentar acertar ao máximo, para que a vida tenha mais leveza, mais suavidade, mais alegria, mais encantamento.
Amanhã, dia 2 de novembro, é um daqueles dias em que essa vontade de aprender a administrar bem o tempo bate mais forte. Amanhã e um daqueles dias em que somos lembrados da nossa finitude, e da certeza, inevitável, de que precisamos aprender a dividir bem o tempo de que dispomos, para que possamos usufruir, integralmente, desse presente maravilhoso que recebemos: a Vida!
O tempo corre, o tempo é curto; preciso me apressar, mas ao mesmo tempo viver, como se esta minha vida fosse eterna!
- Eugênio é escritor e funcionário da Funec