- Eugênio Maria Gomes
No momento em que escrevo este texto, 165 corpos já foram identificados em Brumadinho e cerca de uma centena e meia de corpos continuam soterrados pela lama, espalhada naquela região pela mineradora Vale do Rio Doce. Antes mesmo que pudéssemos nos recuperar do trágico desaparecimento de tantas vidas, e do desastre ambiental provocado pela ganância e pelo desrespeito à Natureza, somos novamente surpreendidos por outro infortúnio: a morte de dez garotos, em um incêndio no “Ninho do Urubu”, o Centro de Treinamento do Flamengo, no Rio de Janeiro.
Mais uma tragédia a abalar nossas vidas e a fazer sucumbir os sonhos de muitas famílias. Novamente, não podemos ver no fato nenhuma fatalidade, mas o resultado de uma irresponsabilidade que parece não ter fim. Eram crianças e não tiveram a menor chance, enquanto dormiam, dentro de um container que deveria ser utilizado para descansos rápidos, mas que servia de alojamento, de moradia para elas.
Um container-alojamento de seis quartos, dotado sim de ar condicionado, de boas camas, mas desprovido de paredes antichamas, de sensores de fumaça e sem alarme contra incêndio. Um alojamento-container de uma porta só, com janelas gradeadas e sem autorização legal para funcionar como tal. Aliás, um container-alojamento que deveria estar desativado, já que não tinha o “habite-se” e cujo funcionamento estava desautorizado pela prefeitura.
“Riquelme! Bolívia!”. O grito desesperado de um sobrevivente, chamando pelo amigo, sem obter resposta, ilustra bem a dor dos que foram e a dor daqueles que ficaram. Uma dor sem fim para suas famílias, de maneira muito especial para suas mães que nunca mais poderão lhes oferecer o colo ou afagar os seus cabelos.
E não é que no meio dessa tragédia ainda apareceram internautas para postar em suas redes sociais “Força Flamengo” e “O Mengão foi vítima de uma fatalidade”? Ora, ora, o clube de Regatas do Flamengo é uma agremiação esportiva, uma empresa, sujeita como todas as outras à fiscalização e ao cumprimento de leis. Força Mães! Força Pais! Força avós! Força familiares e amigos! Não há qualquer grito que possa aliviar a culpa dos responsáveis. A diretoria da agremiação precisa se responsabilizar e responder pelos crimes cometidos.
Os adolescentes mortos no Rio têm recebido muitas homenagens. São merecidas. Os mortos de Brumadinho, também, têm recebido muitas homenagens e, claro, também são merecidas. Os mortos de Mariana receberam muitas homenagens. Já foram esquecidos. As famílias dos que se foram, ainda hoje, lutam por indenizações e tentam reaver tudo o que perderam de bens, já que não é possível reaver a emoção de estar, de viver e conviver com os que se foram.
E assim permanecemos de tragédia em tragédia. Uma fazendo com que nos esqueçamos da anterior. Não existe dor menor ou dor maior, existe dor. Dor pela perda, dor pelo descaso, dor pela irresponsabilidade. Não deixa de ser intrigante o fato de que, em todas essas últimas tragédias, do incêndio na Boate Kiss ao do CT do Flamengo, não existir ente os mortos nenhum dono, nenhum dirigente, nenhuma autoridade de alta patente. Certamente eles sabem do perigo a que são submetidos os que dependem deles.
O fato é que não podemos mais tolerar “gambiarras”, “puxadinhos”, “remendos”, “jeitinhos”. Neste País, nada se conserta. Nada se resolve. Nós “remendamos”, nós “ajeitamos”. Enquanto nada se resolve, essas catástrofes continuarão a se suceder.
Temos um profundo pavor de enfrentar nossos problemas, de tomar as medidas duras que são necessárias para superarmos esse subdesenvolvimento macabro que nos assola e que mata nossos filhos, nossos amigos, explora nosso povo, enriquece nossa elite, destrói nosso patrimônio ambiental. Temos medo de posicionarmos de exigir nossos direitos, de lutar pelo que é certo, de cobrar dos políticos, de recusar o que não nos agrada, de permitir que sejamos espoliados. Temos um medo avassalador de sermos Cidadãos!
Esses tristes episódios não se trata de catástrofes inevitáveis. Trata-se de imprevidência, de ganância, de irresponsabilidade que continuarão a existir se nós continuarmos a permitir. Os deslizamentos que matam e destroem no Rio de Janeiro, os incêndios, as barragens, as estradas sem conservação, os ônibus sem vistoria, os produtos defeituosos, os remédios adulterados…
Estamos pagando o preço por nossa passividade, por nossa leniência com o que é errado. Toleramos por séculos esse estado de coisas, e agora, estamos colhendo o resultado de um profundo, absurdo e lamentável descompromisso com a Vida, com a Ética e com a Justiça!
Rezemos, para que as dores sejam aplacadas, para que a vida dos que ficaram possa recomeçar, para que a esperança abra as portas para um tempo novo. Um tempo em que os criminosos paguem por erros. Um tempo em que os políticos paguem por seus erros. Um tempo em que não sejamos coniventes, através de nossa omissão e tolerância com esse triste lugar que se tornou o nosso País!
- Eugênio Maria Gomes é professor e escritor. Membro da ALB- Academia de Letras do Brasil -, da Alto – Academia de Letras de Teófilo Otoni -, da AMLM – Academia Maçônica de Letras do Leste de Minas – e presidente da ACL – Academia Caratinguense de Letras do Leste de Minas. É Pró-reitor e professor do Unec, membro da Lions Clube Caratinga Itaúna, do MAC – Movimento Amigos de Caratinga – e da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga.