Márcio Rodrigues fala de sua experiência no local assolado pela tragédia e de como as pessoas tentam se reerguer
CARATINGA – Córrego do Feijão, zona rural de Brumadinho, 12h28min20seg da sexta-feira, 25 de janeiro de 2019. Nesse exato momento houve o rompimento da barragem da Vale do Rio Doce, em seguida, saiu a lama e que gerou o caos e suas consequências desproporcionais e imprevisíveis que serão sentidas por gerações. Até o meio-dia de ontem, essa tragédia contabilizava 115 mortos e 248 desaparecidos.
Além das mortes causadas, o tsunami de lama soterrou casas, pousadas e sítios, atingiu o rio Paraopeba (um dos afluentes do rio São Francisco), e provocou danos ambientais tão graves quanto os gerados pelo desastre de Mariana (2015).
Em meio a tanta dor e sofrimento, uma onda de solidariedade tomou conta daquele lugar, pessoas de todo o Brasil se sensibilizaram a ajudar de alguma forma, sendo com doações ou trabalhos voluntários em diversas áreas.
Na última quarta-feira (30/01), o investigador de Polícia Civil de Caratinga, Márcio Rodrigues resolveu por conta própria também prestar sua solidariedade ao povo de Brumadinho. Primeiro, foi a Belo Horizonte com objetivo de doar sangue e depois foi para o local devastado pela lama, onde por dois dias vivenciou de perto o cenário destruído.
Nessa entrevista, Márcio conta um pouco do que viu e do que sentiu.
Você viu o cenário de destruição através da TV e jornais, mas ao ver pessoalmente, como se sentiu?
Realmente vi pela TV, internet, a gente vê um cenário de destruição assim, mas não é a mesma coisa de ver pessoalmente. Pessoalmente a gente sente mais o drama das pessoas, o que realmente aconteceu no local.
Qual o trabalho feito por você em Brumadinho?
Na verdade me predispus a ir para fazer uma doação, porque estava com baixo estoque de sangue O-, que é doador universal e é o meu, mas no Hemominas já está regulado o estoque de sangue. O pessoal da loja Acalanto estava fazendo doação, o Diego fez um trabalho bacana com a comunidade de arrecadar, aí liguei para Defesa Civil e na verdade levamos só o que realmente precisava. Estavam precisando de café, material de higiene pessoal, um pouco de açúcar e o que tinha arrecadado em Caratinga em relação a alimento e roupa, lá não estava tendo necessidade, aí ficou com pessoal da loja. Esse foi o objetivo de ir a Brumadinho, prestar o serviço na delegacia, levar as doações que a gente tinha arrecadado. O serviço voluntário na busca de corpos, de auxílio mais direto as pessoas afetados já tem muita gente de fora, muito bombeiro voluntário, defesa civil inteira, até de outros estados. Então já tem gente qualificada o suficiente.
É possível manter a concentração e ajudar diante de tamanha destruição? Como se preparou para isso?
Na verdade a questão de se preparar para isso, devido a profissão, 22 anos como policial, estou acostumado a lidar com situações difíceis. O ser humano sempre está exposto a situações nem um pouco agradáveis. A intenção era mesmo levar os objetos, tenho certa facilidade em me locomover por outras cidades, tenho uma vocação para fazer isso e a gente tem que usá-la. Então eu fui com essa disposição de ver o que poderia fazer para ajudar, as doações que levamos foram muito bem recebidas, principalmente o café, muito sabonete e prestei meu apoio na delegacia. Mas o movimento está tranquilo, parece que a coisa está estabilizada. Infelizmente agora é a dureza das famílias que talvez nem recuperem os corpos dos entes queridos que estão desaparecidos.
O que mais lhe comoveu em Brumadinho?
A gente já vai mais ou menos preparado para ver tragédia, mas diante de tanta doação, de tanta gente trabalhando; chegando lá senti que pela solidariedade do brasileiro estava até tranquilo, mas na hora de ir embora fui tirar umas fotos de uma pinguela do rio, que vi a situação deplorável. Encontrei com um senhor de aproximadamente 55 anos, bom papo. No meio do assunto eu falando da tristeza de parentes que talvez não vão enterrar os corpos, ele falou que dois irmãos dele estavam no refeitório no momento do rompimento da barragem e ainda estão desaparecidos. Ele tem a consciência que estão mortos, porém a esposa dele, que trabalha como terceirizada da Vale, estava prestes a ir para o refeitório e por tempo de dois minutos, estava dentro do veículo indo, começou a desabar e o motorista voltou, deu um retorno rápido. Então, por pouco tempo a mulher dele teria ido também. Acho que isso foi o mais comovente que vi, um cidadão da região que talvez não conseguirá enterrar os dois irmãos que estão desaparecidos, inclusive um tinha 28 anos de Vale. Ele disse que o irmão vestia a camisa da empresa, brigava se alguém falasse mal da Vale, e hoje está desaparecido enterrado lá no lamaçal.
Pessoas que perderam seus parentes esperam que os corpos sejam encontrados o mais rápido possível. Mas existe muita lama e o trabalho é muito complexo. Como confortar essas pessoas?
Na verdade pelo que a gente percebe na cidade, as pessoas têm consciência das mortes, têm esperança de encontrar o corpo, mas têm a consciência que podem não encontrar. Então hoje é um trabalho de psicólogo, assistência social, dar a assistência necessária para essas pessoas, mas a única coisa que pode melhorar a cabeça dessas pessoas é o tempo, não faz esquecer, mas a dor ameniza e as pessoas vão aprendendo a conviver com aquilo, sentindo dor, mas sabendo que têm que continuar a caminhada. Mas a parte triste é saber que tem mais algumas mineradoras sobe a responsabilidade da Vale, muitos lugares de exploração de minério com a mesma situação, com refeitório, centro administrativo, todas embaixo das barragens, uma bomba relógio e o pessoal trabalhando. Infelizmente a gente está enxergando que a chance de acontecer outra tragédia é muito grande, o próprio pessoal de lá pensa isso e sente que terão que chorar as mortes de outros em Itabira, Nova Lima, onde tiver outra barragem na mesma situação.