Psicólogo técnico do Creas, Dionatan Carlos explica trabalho de acolhimento e afirma que lei municipal está sendo redigida especificamente para este público
CARATINGA- A população em situação de rua em Caratinga constantemente era vista em alguns pontos, como a Praça Cesário Alvim e a Rodoviária Nova. Mas, há alguns meses, é possível observar que eles ‘migraram’ para outra localidade, a Praça da Estação. À noite principalmente, eles se concentram nas imediações do imóvel que ocupava a Secretaria de Cultura (em frente ao Sesi). Fazem fogueiras e em algumas situações são vistos em discussões.
O DIÁRIO esteve no Centro de Referência de Assistência Social (Creas), situado à Rua Coronel Antônio da Silva, 753 e conversou com o psicólogo técnico Dionatan Carlos, para falar sobre o acompanhamento e políticas públicas.
De acordo com Dionatan, a população em situação de rua é acompanhada pelo Creas desde a sua abertura, em 2010, de acordo com a Política de Assistência Social, com trabalho do assistente social e da psicologia. “Atendemos tanto de forma individualizada, acompanhamento da família ou da situação junto à família e acompanhamento coletivo. À medida que o público chega até nós, seja pelo encaminhamento da sociedade civil, dos órgãos públicos ou demanda espontânea, fazemos o acolhimento, atendimento individualizado (conhecemos um pouco da história desse indivíduo, o que ele veio fazer na cidade ou se ele é de Caratinga)”.
O Creas reconhece dois públicos distintos, que se encontram nessa situação, os que vieram de outras localidades e os que têm origem em Caratinga. “Temos aquele ex-morador de um bairro da cidade, que já teve ou não uma família, mas seja pela falta de oportunidade ou um vício, que é o que mais a gente encontra, uso abusivo de álcool e drogas; por um conflito familiar, ele evade da sua casa e vai viver em situação de rua. Temos também o público migrante, que é mais comum para nós vermos, são pessoas de fora da cidade, viajam o Brasil inteiro por trabalho, em busca de oportunidade. Tanto é que nós temos meses do ano que isso é mais intenso, porque eles vêm aqui em busca de uma passagem. Ou às vezes por não conhecer o serviço do Creas ainda param na Rodoviária. O serviço de abordagem explica que tem o Creas e que se quer uma passagem o caminho é esse. Ou chegam aqui e trabalham no máximo 15 dias, depois seguem caminho”.
Dionatan explica que todo o acolhimento é ofertado para este público. “Aquelas que são nascidas em Caratinga e região, temos um trabalho mais intensivo, tanto de abordagem social que acontece duas vezes por semana, vamos a esses locais, ofertamos o serviço do Creas, referenciamos com relação ao Moviso, que é o local de alimentação mais provável deles; tem ainda centros espíritas que também são utilizados por eles. Quando precisam ou querem passar uma noite em algum abrigo, temos aqui a Casa de Amparo ao Migrante, que fica ali no Bairro Esplanada, onde eles têm o direito dado pela casa de passar até duas noites”.
Ele cita ainda uma conquista, quando o Senado aprovou o projeto de lei que assegura atendimento via Sistema Único de Saúde (SUS) para pessoas em situação de vulnerabilidade ou risco social, sem a necessidade de comprovação de residência. “Quando precisam ser assistidos com relação à saúde, procuramos ou eles mesmo já conhecem o caminho, fazemos o encaminhamento para a policlínica, que atende mesmo eles não tendo a documento. Porque há um tempo atrás pensava-se que se a população em situação de rua precisasse ser atendida pelo setor público, teria que ter documento. Mas, a realidade é que eles chegam pra nós desprovidos de dinheiro, de afeto e de documentação. O trabalho do Creas é esse resgate social de identificação do sujeito. Vamos buscar uma segunda via de identidade, certidão de nascimento, refazer toda essa documentação, o Creas oferece essa guarda provisória dos documentos se ele quiser, não é uma imposição nossa, por como está em situação de rua, às vezes perde”.
A PROBLEMÁTICA
Nos últimos dias, a população em situação de rua tem se aglomerado na Praça da Estação. No entanto, o psicólogo esclarece as dificuldades em lidar com esta problemática. “Muitos têm problemas familiares e como se resolve? Encarando ele. Mas, a bebida e a droga não deixam. Tenho casos, por exemplo, nessa população aqui perto de nós, que já foram para inúmeras comunidades terapêuticas, já passaram umas três vezes e continuam na mesma situação. Precisamos entender que aquilo que a Política de Assistência Social e Constituição Federal preza, principalmente que é o direito de ir e vir, de fazer, de estar e respeitar, vale para qualquer pessoa, independente se ela está em situação de rua ou tem uma casa. A partir disso, compreender que aquilo que a equipe da prefeitura pode fazer, está fazendo, que é ofertar. Mas, não pode dizer a eles que não podem ficar ali. Já envolve políticas de segurança pública. A sociedade tem que reconhecer aquilo que é perigo e aquilo que não é perigo, mas nós enquanto Creas fazemos um apelo, que ela possa ter um olhar com um pouco mais de carinho para essa população. Não tem como não se sensibilizar com a situação, embora eles também estejam sujeitos às leis. É mais uma forma de tratar, de cuidar e perceber os limites que servem para qualquer pessoa da sociedade”.
O Creas contabiliza que somente no ano passado foram mais de 730 passagens cedidas aos migrantes. Foram abordadas cerca de 1.044 pessoas em 2018. “Isso para nós é um trabalho expressivo porque demonstra pela cidade estar muito próxima a BR, muitas pessoas de fora passam por aqui. O público em situação de rua que é de Caratinga é muito pequeno. Hoje temos cerca de no máximo 20. A diferença é que ora se reúnem todas e parecem um montão e ora estão dispersos”.
Sobre a mudança de local desta população de rua para a Praça da Estação, Dionatan explica que eles buscam se proteger e locais que correspondam aos seus anseios. “Eles ficavam muito ali próximo da praça Cesário Alvim. Hoje, talvez pela facilidade de acesso ao Moviso, ficam mais aqui. É como mudar de casa, não é que cansei de uma casa e vou para outra, mas se aquele lugar ali não está satisfazendo mais as minhas necessidades, vou procurar outro. E a população em situação de rua, embora não tenha vínculo com a família, criam com facilidade vínculos de proteção. Se tem uma pessoa que está isoladinha no canto dela e está se protegendo, se encontrar alguém que também está na situação dela e puder manter contato, estar perto, isso também é proteção para ela. Então, de certa forma um público migra e encontra com o outro para poder se proteger, porque eles só têm a eles mesmo. Muitas vezes a família não consegue ter essa sensibilidade mais porque já tentou muitas vezes”.
O psicólogo reforça seu pensamento citando a frase: “O homem é um ser social por natureza”. “Ele não vive isolado, por mais que esteja lá no cantinho dele, acabou de sair em situação de rua ou chegar na cidade, vai encontrar um par para ficar junto. Dois protegem mais do que um, por isso que acaba aglomerando e incomoda a sociedade. Entendo que o que incomoda a sociedade caratinguense seja o fato do uso abusivo de drogas, escândalo, etc, mas, o que a oferta de serviço está sendo feita. Não estamos de olhos fechados, pelo contrário, estamos indo, somos insistentes, estamos criando parcerias com a Polícia Militar para que possa nos auxiliar nos dias de abordagem, até para poder dar uma força a mais, mas não para impor, mas mostrar para eles que estamos do lado deles. Pior do que ter uma população em situação de rua de difícil lida, é ter uma que não confia em você”.
O ACOLHIMENTO
No momento em que são abordados pela equipe do Creas, o público em situação de rua apresenta histórias distintas, conforme explica Dionantan. “As justificativas são inúmeras quando se pega a situação do migrante. Alguns disseram para nós uma vez, que não gostaram da experiência de viver numa ‘caixa’, uma casa. ‘Para que eu tenho que viver numa casa?’. Eles aprenderam a dizer isso depois que as sociedades por onde eles passaram começaram a perguntar para eles: ‘Por que vocês não alugam uma casa?’, ‘Por que vocês não vão trabalhar e ter uma família?’. E a resposta que eles passaram dar foi essa: ‘Por que que para ter uma família, para trabalhar, eu preciso de viver numa caixa?’”.
No caso daqueles que são da cidade, os casos são mais complexos, como afirma. “Conflito familiar, separação, não convivência mais com o filho, o desgaste da família em tentar ajudar a pessoa a sair dessa situação quando ela não quer; o envolvimento com a situação de droga, tráfico, criminalidade. Algumas das pessoas que nós atendemos vieram do presídio direto para a rua, porque não são acolhidas em casa. O papel do Creas nesse caso é trabalhar as famílias, não tentar convencê-las, mas trabalhar esses desgastes para ver se conseguimos em algum momento, e demora muito tempo, reatar os vínculos familiares. Se não reatar o casamento, que não é o nosso propósito, pelo menos ter um vínculo mínimo com o filho e com a mãe. São casos que temos de sucesso. Mas, o sucesso no Creas, quando se fala de vínculo afetivo rompido ou de identidade rompido, são situações complexas que demandam muito tempo para resolver”.
LEI MUNICIPAL
Caratinga conta com um Comitê Intersetorial da População em Situação de Rua, um grupo de agentes públicos com participação da própria população em situação de rua, que se reúne na sede da Secretaria de Desenvolvimento Social uma vez por mês. De acordo com Dionatan, o objetivo é discutir o que pode ser melhorado na oferta de serviço. “De acordo com aquilo que vem da Política Nacional; o que conseguimos aplicar dentro dos recursos que o município dispõe e que o Estado oferece”.
Outro ponto importante é que está sendo elaborado uma lei municipal, para tratar especificamente deste público. “Hoje está sendo redigida uma lei municipal para a população de rua de Caratinga. Ainda não passou pela Câmara, porque está passando por algumas alterações ainda, sugeridas inclusive nessas discussões. Acolhemos essas ideias todas, para formularmos uma lei municipal, como a exemplo de outros municípios”.
Dionatan Carlos frisa que a partir deste documento, será possível traçar estratégias. “A lei municipal tende a agregar muita coisa, especialmente com relação a oferta de direitos. Políticas sociais são para uma macrorregião, a ideia é trazer aquilo que está na nacional, para mais perto da gente, dentro daquilo que é possível. Vamos tentar trazer o máximo de garantias e a necessidade de respeitar certas regras, que a própria população de rua reconhece. Eles reconhecem que algumas vezes eles exageram, sabem disso, mas precisamos de mecanismos. Hoje não temos uma forma de usar de coerção, os direitos humanos não permitem isso. Preciso respeitar o direito do outro e preciso mostrar para ele a necessidade que ele respeite os meus direitos”.