Sem emitir nenhum juízo de valor sobre a necessidade e eficácia da medida na melhoria da segurança pública, tentarei esmiuçar o decreto nº 5.123-04, assinado pelo atual presidente, que flexibiliza a posse de armas no país. Veremos as principais modificações e o que não foi alterado.
Antes, é imprescindível que se diferencie os conceitos de POSSE e PORTE de armas, para melhor compreensão do decreto.
POSSE de arma de fogo ocorre quando o agente mantém a arma no interior da sua residência e nas dependências dela, bem como no seu local de trabalho, desde que seja proprietário do empreendimento.
O conceito de PORTE de arma é residual, sendo assim tudo aquilo que não se enquadrar na definição de posse será considerado porte. Assim, transportar, guardar em local que não seja residência, adquirir ou vender, podemos ser enquadrados como porte.
O decreto flexibiliza o direito à posse de arma que consiste em possuir uma arma de fogo dentro de sua residência ou do seu local de trabalho
Nesse sentido, a posse se diferencia do porte, visto que o segundo diz respeito a portar, transportar uma arma de fogo em locais públicos, fora da própria residência ou do estabelecimento comercial. Logo, conclui-se que o direito à posse não necessariamente dá direito ao porte.
A posse é permitida a qualquer cidadão que esteja capacitado, de acordo com os requisitos estabelecidos pelo Estatuto, enquanto o porte é proibido, salvo em casos excepcionais, onde, por exemplo, o requerente apresente à Polícia Federal sua efetiva necessidade seja por exercício de atividade profissional de risco ou por excessivas ameaças à sua integridade física, além de atender as demais exigências do art. 10 da Lei 10.826/2003.
O artigo 12 do Decreto 5.123/04 elenca um rol de requisitos a serem cumpridos pelo interessado em adquirir a arma, sendo eles:
I – declarar efetiva necessidade;
II – ter, no mínimo, vinte e cinco anos;
III – apresentar original e cópia, ou cópia autenticada, de documento de identificação pessoal;
IV – comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a idoneidade e a inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio eletrônico;
V – apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
VI – comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo;
VII – comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por esta credenciado.
VIII – na hipótese de residência habitada também por criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental, apresentar declaração de que a sua residência possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento.
TODOS os requisitos expostos acima já existiam, com exceção do inciso VIII que foi introduzido pelo novo Decreto.
Dentre suas principais mudanças, está o fato do texto estender o prazo de validade do registro de armas de 5 para 10 anos, além de criar pré-requisitos objetivos que necessitam serem apresentados a um delegado da Polícia Federal para autorizar a posse.
Outra alteração importante foi a limitação do número de quatro armas por pessoa, desde que comprovada a necessidade. O novo decreto, entretanto, deixa em aberto a possibilidade de um número maior de armas em casos específicos.
Pelas novas regras, terão “efetiva necessidade” de possuir arma em casa os indivíduos que se encaixarem nos seguintes critérios:
Ser agente público (ativo ou inativo) de categorias como: agentes de segurança, funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), agentes penitenciários, funcionários do sistema socioeducativo e trabalhadores de polícia administrativa; Ser militar (ativo ou inativo); Residir em área rural; Residir em área urbana de estados com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, segundo dados de 2016 apresentados no Atlas da Violência 2018. Ser dono ou responsável legal de estabelecimentos comerciais ou industriais; Ser colecionador, atirador e caçador, devidamente registrados no Comando do Exército.
Caso o cidadão não se enquadre nesses requisitos, dificilmente terá seu registro de armas e direito à posse concedidos.
No caso de residências onde vivem crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental, a nova legislação cria a obrigação que se deve apresentar uma declaração relatando que a residência possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento, entretanto, não define um processo de fiscalização. Todavia, o registro poderá ser revogado se for comprovado que o declarante forneceu informações falsas ou se tiver vínculos com organizações criminosas.
A título de curiosidade, apesar do decreto ser algo bastante almejado pelos eleitores do atual presidente, uma pesquisa do Datafolha em dezembro mostrou que 61% dos brasileiros são contra a flexibilização da posse de armas no país.
Aldair Oliveira – Advogado
Pós-graduado em direito Civil.
3321-7581