Inspirado pelo pai, professor Fernando Campos tem a bicicleta como meio de transporte, mas ele descobriu que esse veículo tem outras propriedades
CARATINGA – A invenção da bicicleta ainda é um tanto imprecisa, mas documentos históricos guardados no Museu de Madrid mostram projetos de uma bicicleta do grande inventor italiano Leonardo da Vinci. Estes projetos, elaborados no século XV, não foram executados. Segundo pesquisas, a mais antiga das bicicletas foi chamada em seu país de origem, a França, de “cavalinho-de-pau”. Este importante meio de transporte surgiu na cidade de Paris em 1818. Esta primeira versão não possuía pedais e provocava muito cansaço em que andava com ela.
No ano de 1840, o ferreiro escocês chamado Kirkpatrick Macmillan inventou um tipo de pedal, colocado junto à roda traseira por meio de um manete. Este sistema era semelhante ao daqueles carrinhos de pedais usados por crianças. Este dispositivo deu a bicicleta mais rapidez e estabilidade. Em 1855, o ferreiro francês especialista em carruagens, Pierre Michaux, inventou o pedal. Este foi instalado num veículo de duas rodas traseiras e uma dianteira. Chamado de velocípede, é considerado a primeira bicicleta moderna. A primeira bicicleta a possuir um sistema com corrente ligada às rodas foi projetada por H.J.Lawson, no ano de 1874. Seu terceiro modelo, a “Bicyclette”, foi desenhado em 1879. Esta bicicleta já possuía maior estabilidade e segurança. Na década de 1880, o inventor inglês John Kemp Starley projetou uma bicicleta semelhante as atuais. Possuía guidão, rodas de borracha, quadro, pedais e correntes.
Em 1898, as primeiras bicicletas chegaram ao Brasil vindas da Europa. E foi esse meio de transporte escolhido pelo professor Fernando Campos, 52 anos, que reside no bairro Santo Antônio, mas leciona na Escola Estadual Isabel Vieira, no Bairro das Graças. “Ao longo desse período, já andei 48 mil quilômetros somente no trajeto do trabalho, numa distância regular de 18 quilômetros diários”, conta, observando que dá mais de uma volta ao mundo, que são, aproximadamente, 40 mil quilômetros.
E o gosto pela bicicleta nasceu em casa, como se recorda Fernando Campos. “Meu pai, que nasceu em 1919 e faleceu em 2006, sempre gozou de ótima saúde, nunca tendo que tomar qualquer tipo de medicamento de uso contínuo até a idade de 87 anos, quando faleceu. Andou de bicicleta até janeiro de 2016, ano de seu falecimento. Também não fumava e não bebia. Nunca foi sedentário. Seu nome: Arthur Ferreira da Silva, também conhecido como Arthur Honório”.
Cinéfilo, Fernando Campos costuma citar o filme clássico do neorrealismo italiano, ‘Ladrões de Bicicleta’ dirigido por Vittorio De Sica, em 1948. A película é bela, porém triste. O roteiro mostra a história de desempregado Antonio Ricci (Lamberto Maggiorani), que fica eufórico quando finalmente encontra trabalho colocando cartazes pela cidade de Roma, destruída pela guerra. Sua esposa Maria (Lianella Carell), vende os lençóis da família para resgatar a bicicleta de Antonio da loja de penhor, para que ele possa aceitar o trabalho. Porém, o desastre ataca, quando a bicicleta de Antonio é roubada. “É um filme maravilhoso, onde a bicicleta não era apenas um meio de transporte, ela representava a dignidade daquele cidadão”, avalia Fernando Campos.
O professor é ainda favorável a que os ciclistas usem equipamentos de segurança, como luvas e capacete, “mas que respeitem as normas de trânsito, assim como também devem ser respeitados”.
Nessa entrevista concedida ao DIÁRIO sobre mobilidade urbana, Fernando Campos e taxativo ao dizer, “é preciso que a população e o poder público assumam esta responsabilidade e planejem mais, até porque a evolução é inevitável e os investimentos neste sentido precisam acontecer”.
Quando e por que o senhor passou a usar a bicicleta como meio de transporte?
Comecei a andar de bicicleta como toda criança, por prazer, pelo desafio de aprender algo novo, para me divertir mesmo. Eu tinha 8 anos de idade e um irmão mais velho foi quem me “amparou” nas primeiras tentativas. Eu morava em Bom Jesus do Galho, onde passei a infância e a maior parte da adolescência. Meu pai, que nasceu em 1919 e morou em Caratinga quando garoto, era um apaixonado por bicicleta. Chegou a ter uma oficina em Bom Jesus do Galho (entre as várias profissões que teve, para criar uma família numerosa, de dez filhos ao todo). Ele comprou lá pelos anos 50, início dos 60, quatro bicicletas, das quais tirou uma para uso próprio, e as outras três ele alugava para os moradores da cidade, para passeios ou como veículo utilitário. Uma curiosidade é que ele, por sua vez, teve como primeiro instrutor (aquele que segurou a bicicleta para ele quando ainda era um menino), se é que podemos dizer assim, o senhor Moacyr de Mattos, que foi prefeito da cidade de Caratinga e que também foi um ciclista de competições. Dizem que dos bons. Então, a bicicleta na minha vida acabou sendo mais que uma necessidade, uma fonte de prazer, de bem-estar, de saúde. Tanto é que passei naturalmente esse hábito para meus filhos.
O senhor faz algum trabalho para que mais pessoas passem a usar a bicicleta como meio de transporte?
Não posso dizer que faço algo sistematicamente, mas ao longo da vida com certeza pude influenciar pessoas, não só meus filhos, mas outras pessoas da família, além de amigos, com os quais fiz passeios, ou ocasionalmente trilhas, já na era do mountain bike, esta modalidade que muito me atrai e que tem meu filho (hoje com 25 anos) como praticante na cidade.
Quais as dificuldades para os ciclistas de Caratinga?
Eu diria que a circulação em Caratinga é complicada para todos: ciclistas, motoristas, motociclistas, pedestres, e, sobretudo, para os deficientes físicos, entre eles os cadeirantes. Se pensarmos nos idosos então, aí é que a coisa se complica mais ainda. Os motoristas, por sua vez, além do problema da circulação, ainda têm dificuldades extremas para encontrar vagas para estacionar. Existe aquele velho problema de veículos grandes que também ajudam a congestionar o trânsito, fora a poluição. Houve um dos governos municipais nos últimos anos que tentou limitar, proibir, se não me engano, a circulação de caminhões grandes pelas ruas da cidade. Sobre os ciclistas, em específico, existe aquela lei sobre a distância que um veículo automotor deve manter em relação a eles, por ser o ciclista um elemento mais vulnerável no trânsito, mas em Caratinga, devido à largura das ruas e à falta de planejamento urbano (me refiro a um tempo remoto, desde os fundadores, um tempo em que as ruas eram para pedestres, animais de montaria, carroças e charretes em que isto não era preocupação por aqui), bem, devido a tudo isto esta norma fica impraticável, a não ser que se criassem ciclovias, pelo menos em áreas mais novas da cidade, neste momento em que os limites urbanos se expandem. A própria situação dos pedestres que fazem as famosas caminhadas pela avenida Dário Grossi é uma forma nítida de improvisação, com aqueles bloquinhos em torno dos canteiro central, que diminuem bastante a largura da pista que foi, se não me engano, construída originalmente para permitir a passagem de dois veículos de cada lado, simultaneamente, ou seja, como pista dupla.
Qual sua avaliação do revelo de Caratinga, é fácil ser ciclista na cidade?
O relevo, a meu ver, é muito bom. Gosto desta variação de pistas planas e subidas. Funciona bem para quem está preocupado com a atividade física. Na verdade ando a maior parte do tempo na parte baixa da cidade, que liga meu bairro, aos outros bairros mais distantes, à área comercial e aos postos de serviços. Mas quando é preciso ir a algum lugar em elevação, não vejo problema, pois estas modernas bicicletas do estilo mountain bike são bastante versáteis, bem polivalentes, com um sistema de marchas eficiente. Mesmo as mais em conta vêm hoje em dia com esse recurso.
Qual a importância da bicicleta na questão da mobilidade urbana?
A bicicleta, para mim (que optei por não ter carro ou moto), é fundamental. Mas as necessidades dos usuários são várias e é bom que todos os meios de transportes sejam contemplados com melhorias. É preciso que a população e o poder público assumam esta responsabilidade e planejem mais, até porque a evolução é inevitável e os investimentos neste sentido precisam acontecer. Neste sentido, a bicicleta é um meio de transporte importante, mas não ao ponto de que todos, porque isto é impossível, a adotem como forma de se deslocar pela cidade. Se isto acontecesse, aí teríamos outro problema, mais do que uma solução.
Como construir o amanhã com mais bicicletas circulando?
Primeiramente com medidas educativas para todos nós que circulamos pela cidade (ou por outras áreas, como a área rural, por exemplo, onde a bicicleta sempre foi um veículo muito útil e funcional). Além das medidas educativas, também deveria ser posta em prática a legislação vigente (tanto para ciclistas como para os demais veículos), com o intuito de se criar um trânsito mais seguro, mais humano, que atenda às necessidades da população. Se estas questões forem bem pensadas, talvez assim possamos mudar as práticas que tanto criticamos nos dias de hoje, sem ficar apontando simplesmente os erros dos outros, mas adotando para nossa própria vida, na prática, as ideias que julgamos corretas. Acho que desta forma estaríamos fazendo alguma diferença.