“Tudo é uma questão de prioridades”. Todos temos prioridades, mas dói em qualquer um saber que não é mais a de alguém. Eu estava sozinha à mesma mesa de sempre, naquele mesmo Café do alto da colina, na rua Machado de Assis, número mil quinhentos e dois. Bem junto à janela de vidro que se direcionava a leste, no segundo andar do Café, onde era vazio e proporcionava uma vista maravilhosa, permitindo que eu contemplasse o amanhecer enquanto tomava meu café e verificava a agenda, e ainda, escrever um conto (se a inspiração viesse, e quase sempre vinha).
Todas as manhãs o ritual se repetia: acordar, me arrumar, arrumar a bolsa para o trabalho com todos os planos de aula e checar a lista de coisas a fazer na agenda. A primeira de todos os dias: tomar café com o “Bentinho”. E assim era todos os dias. Pegava a bolsa e me direcionava àquele café.
Bem simples, pacato, ambiente aconchegante, sempre tocando bem baixinho, ao fundo, aquelas sinfonias que me rendiam inspirações incríveis para escrever meus contos românticos. Sentávamos sempre no mesmo lugar: a mesa junto da janela, a leste.
Todos os dias, às seis e meia, você estava lá para me fitar, demoradamente, enquanto eu me perdia observando o horizonte, ao passo que tomava meu café. Com a xícara branca próxima ao rosto, segurando-a com as duas mãos, com os cotovelos em cima da mesa, eu pronunciava:
— Já notou como o céu está lindo hoje? Dizia isso sentindo o peso de seus olhos em cima de mim, enquanto escutava sua risada confirmando:
— Aprendi isso com você: observar o céu. Ele realmente está lindo.
— De fato. Respondia, rindo enquanto o olhava, confirmando o que ele havia dito.
— De fato. Ele repetia, zombando dessas duas palavras que eu usava a todo o momento.
O ambiente era propício a inspirações. Havia dias que ficávamos a rir simultaneamente para logo em seguida eu escrever; em outros eu observava o céu, conversávamos um pouco e depois eu escrevia; em outros, ainda, somente eu escrevia, passando minhas inspirações para o papel, enquanto você zelava pela minha companhia, sentado à minha frente, esperando, pacientemente, que eu terminasse. De uma forma ou de outra o ato de escrever se realizava em nossa primeira refeição do dia.
Hoje, sentada sozinha àquela mesa, fico a fitar a cadeira em frente à minha, onde sua materialidade e essência deveriam se fazer presentes. A agenda e o caderno de contos abertos em cima da mesa, junto a uma xícara de café, intocada.
Você foi embora, não mudou de cidade, mas sim de coração, mudou o local onde tomava café, mudou sua companhia. Mesmo sabendo que não viria, ainda assim eu esperava que, a qualquer momento, você surgisse pela porta com um sorriso dizendo:
— De fato está um lindo dia para escrever, não está, Capitu?
— De fato, está. Eu responderia sorrindo.
Isso tudo passava pela minha mente, pelo meu coração e por minhas mãos, só não passavam para o papel. Percebi que já eram sete e trinta. Meu “Bento” me esquecera. Sentia que eu morrera dentro dele, enquanto ele vivia dentro de mim, presente desde a primeira tarefa de meu dia: tomar café. A página em que estava aberto o caderno de contos: em branco. Olhei pela janela, o céu perfeitamente azul… nem mesmo você conseguiu me consolar, não é, céu?
As gotas descendo vagarosas pelas maçãs de meu rosto. Sinto meu peito queimar, uma dor inexplicável, era o esquecimento. Lembrei-me do café, esquecido na xícara em cima da mesa, frio. Olhando para o primeiro item da agenda pude perceber algumas afirmativas que rabisquei em meio às lágrimas:
— De fato, meu caro leitor, nem o azul do céu pôde fazer com que minha tristeza saísse das mãos para o papel. De fato, não há dor maior que o esquecimento. De fato, “quando o café esfria as prioridades mudam”.
Andreza Eduarda Araújo Freitas
Aluna do 4° período do curso de Letras do Centro Universitário – UNEC