Ildecir A. Lessa
Advogado
A justiça costuma ser representada como uma mulher com os olhos vendados e uma balança nas mãos, com os pratos equilibrados. Os olhos vendados e o fiel da balança são dois símbolos de que a justiça trata todos por igual. A igualdade da justiça tem um primeiro aspecto, representado pelos olhos vendados: a justiça não discrimina, não faz acepção de pessoa. Ou seja, a justiça não presta atenção na pessoa, presta atenção exclusivamente no direito de cada um. Às vezes, a balança da justiça pende de um lado, de uma maneira estranha. O que se observa, no caso de Lula e os últimos acontecimentos em torno da tentativa de libertá-lo da prisão a qualquer preço.
Parece nesse caso que, foi tirada a venda da justiça e, o prato da balança pendeu somente para um lado. Um espúrio conúbio entre política e justiça, está colocando a ética em um outro estágio. Quando as instituições como a política e a justiça são concebidas por seus responsáveis como uma confraria de interesses pessoais, à custa das pessoas, gera um grande e grave impasse. Isso resvala no emblemático caso de Lula, com tudo o que arrasta de paixões e interesses, onde o conceito de ética está desmoronando a ponto de não se saber mais onde começa a verdade e a mentira. A ética tem de estar presente no seio de uma sociedade. A ética é como o sal que impede que a democracia apodreça. Não se pode pisar na ética, sob pena de provocar um caos social. Vem na contramão, ocorrências de magistrados, juízes e políticos, usando seu poder a favor ou contra os que consideram ser “deles”, em detrimento do princípio de que ela deve ser igual para todos. E mais ainda na contramão, quando os que nomeiam os cargos consideram normal que os nomeados sejam gratos a esses padrinhos ou ao seu partido, mesmo que à custa de usar dois pesos e duas medidas, isso fere de morte a democracia, ao chamado Estado Democrático de Direito.
Na esfera da justiça, Lula deve ser julgado como qualquer outro cidadão, nem com maior nem com menor rigor, já que a lei é igual para todos. Mas que a sociedade sinta de forma palpável que esse rigor da lei serve também com os outros personagens da política. Do contrário, não é de estranhar que acabe convencida de que existem réus de estimação e réus para serem perseguidos. Quando se instala o caos, no seio da sociedade, o que se cria é a tentação de jogar a ética na sarjeta para fazer justiça com as próprias mãos. E isso foi visto nos últimos dias, depois da loucura judicial da ordem de domingo passado, do juiz Rogério Favreto de tirar Lula da prisão, e tudo o que isso desencadeou no mundo político e judicial. Um episódio que serve para pôr sobre a mesa a irritação nacional contra as diversas instituições. O eco que isso produziu entre cidadãos de ambos os lados do espectro político foi significativo e aterrador. Esse tipo de episódio desencadeia uma verdadeira guerra no seio da sociedade. A divide em dois lados, principalmente quando se depara com aqueles em quem deveria confiar para que a deusa da justiça não seja estuprada a colocam aos pés de seus piores interesses?
Na guerra Brasil, não há trégua. E os destroços provocados por essa insana guerra, vai se espalhando e quando um país perde a noção da ética e da justiça, a democracia manifesta-se doente e desprezada, correndo perigo de morte, e abrem-se as portas para a instalação do caos social, onde o fiel da balança não mais funciona.