A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Sim, isto está na Constituição Federal.
Neste panorama, a garantia à saúde não pode encontrar quaisquer obstáculos à sua efetivação. Garantir esse direito a todos, significa dizer que quaisquer pessoas, independentemente de raça, credo, condição financeira, ou qualquer outra hipótese discriminatória, poderão e deverão ser atendidos em suas necessidades atinentes a essa área de atuação estatal. No Brasil essas ações e serviços públicos se desenvolvem no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pelo planejamento, execução e controle dessas políticas. Tal sistema é descentralizado e possui direção única em cada esfera de governo: municipal, estadual e federal.
Os recursos necessários ao financiamento das atividades do SUS são oriundos dos cofres públicos. União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem, por força constitucional (EC 29/2000 e 86/2015), destinar percentual mínimo de seus respectivos orçamentos para cobertura das ações.
Dentre as atividades executadas pelo SUS no firme objetivo de garantir saúde à população está a política pública de distribuição de medicamentos. O Estado deve ofertar, conforme aludido anteriormente, saúde integral à população, o que significa que o acesso aos medicamentos necessários ao tratamento das enfermidades que eventualmente lhe acometa é direito do cidadão.
Apesar de toda essa garantia de acesso, o que se vê é a proliferação de ações judiciais em que se discute a concessão de medicamentos cujo fornecimento foi negado pelos diversos entes federados. Várias são as justificativas invocadas para que o medicamento prescrito pelo profissional médico não seja entregue ao cidadão que dele necessita. Em muitos casos a discussão é acerca de qual ente seria o responsável pela entrega daquele medicamento específico; em outros o medicamento não consta da relação de medicamentos municipal, estadual ou nacional.
Com o “não” do Estado-Executivo, resta ao cidadão se valer do Estado-Judiciário para ter o seu direito satisfeito. Este fenômeno é mais conhecido por judicialização da saúde, que envolve não só a entrega de medicamentos, mas também, a realização de cirurgias, a busca por vagas em leitos hospitalares, até mesmo a realização de simples consultas especializadas, entre outros.
A partir da decisão judicial municípios, estados e União se veem na obrigatoriedade de entregar os medicamentos. Na maioria das vezes esse encargo recai sobre o município, afinal, é o ente mais próximo da população.
Recentemente, em 25 de abril, a 1ª Seção do STJ concluiu julgamento de que constitui obrigação do poder público a garantia de medicamentos indispensáveis, mesmo quando não integrantes da Relação Nacional de Medicamentos do SUS. O mérito da questão gira em torno da obrigatoriedade de o Estado fornecer medicamento de alto custo não previsto na lista que é elaborada pelo SUS.
Com a devida vênia, trata-se de discussão sem sentido. Afinal, o fato de existir uma lista de medicamentos elaborada pelo SUS, não significa que todas as possibilidades estão ali contempladas. Afinal, todos os dias novos estudos são desenvolvidos, novos medicamentos são criados para combater os mais diversos males que acometem a humanidade.
Não é plausível estabelecer como critério para o fornecimento de medicamento uma lista elaborada por órgão público. Noutro norte, o fato de o medicamento ter um alto custo, de igual forma, não é critério balizado pela Constituição ou qualquer outra norma.
Em uma análise coberta de um racionalismo prático e desumano poderia se aferir que o que se gasta com o medicamento para salvar a vida de uma única pessoa, daria para adquirir medicamentos para o tratamento de milhares de outras pessoas. Neste caso, como aferir quem deve ser salvo? A Constituição Federal de 88 ao estabelecer o direito fundamental à saúde não o fez de maneira condicionada, a resposta à questão posta é simples, atendimento integral e universal. O que o dispositivo constitucional já impõe com muita propriedade.
Negar o acesso a medicamento que comprovadamente seja capaz de garantir a vida de uma pessoa acometida por doença grave ou rara, por mais caro que seja, ainda que não esteja na lista x ou y, pode significar o encurtamento de uma vida longa e feliz.
Aldair Oliveira – advogado
Pós-graduado em direito civil.
33-3321.75.81