*Eugênio Maria Gomes
Na adolescência, ouvi uma música de campanha dos candidatos à prefeitura de Caratinga – Grimaldo e Moacyr – que jamais saiu da minha cabeça, de maneira especial o final do refrão, que dizia: “… Se você ficar pra trás, jacaré vai te engolir”. Essa letra acabou por virar um conceito, algo a ser vivido por mim. Não por conta dos partidos políticos, de seus candidatos ou de suas ideologias, mas pelo o que a letra representava na minha maneira de enxergar e tentar viver a vida. Se há uma coisa que aprendi é não passar o tempo todo em lamúrias, em lamentações. É muito fácil colocarmos a culpa de todos os nossos infortúnios, nos outros. Chega o momento em que é preciso assumir responsabilidades, segurar as rédeas da própria vida, parar de olhar na janela do vizinho e cuidar do chão sujo, da cama mal arrumada ou do fogão encardido da própria casa.
Quando eu ainda era um garoto, dormia com mais quatro irmãos, em duas camas beliches, emparelhadas, e uma de campanha, entre elas. Isso, em um quarto menor do que qualquer um dos dois que o meu filho tem, apenas, para ele. Sim, ele tem dois quartos, um na minha casa e outro na casa da irmã. A situação era muito difícil para todos nós, com a minha mãe trabalhando sem descanso e o meu pai na labuta, de sol a sol. Acho que foi deles que adquiri essa vontade de fazer as coisas acontecerem na minha vida. Jamais ouvi de meus pais lamúrias, reclamações, xingamentos à vida ou a quem quer que seja. Eles simplesmente trabalhavam e nos ensinavam a enxergar a vida de frente, a assumir erros e a corrigir rotas.
Naquela época, tudo o que eu pensava era o que eu deveria fazer para, em algum momento, ter uma vida melhor. Então eu trabalhava, ajudava meus pais, e estudava. Acho que acabei chegando a um bom lugar, pelas mãos de Deus, por meu esforço e pelas muitas ajudas que recebi. Não, eu não cuspo no prato que comi. Pelo contrário, até porque, de minha boca, ninguém, jamais, ouviu uma palavra de desagrado, de rancor, de ofensa. Sou muito agradecido por tudo o que recebi – e tenho recebido – ao longo dessa minha caminhada. Tenho poucas coisas na vida, mas, todas muito importantes. Tenho família, tenho amor, tenho pensamentos positivos em relação à vida e aos outros, sou crente nas pessoas – mesmo apanhando de vez em quando -, lido bem com as diferenças, com as diversidades, sei que serei sempre um aprendiz e tento viver a vida com muita alegria.
Às vezes ouço de algumas pessoas, lamúrias e mais lamúrias, lamentações em cima de lamentações, sem ver nelas qualquer esforço para encontrarem uma saída. Vejo-as culpando os outros por seus insucessos, cuspindo em pratos que lhes alimentaram, deitados na lama e achando os outros sujos. Talvez tenham sido as dificuldades que tive na vida, associadas à Fé e ao imenso amor da minha família, que me fizeram encarar a vida de frente, sempre com otimismo, com o pensamento no bem. E é isso que tenho tentado passar à geração familiar que está me sucedendo: vontade de prosseguir, coragem para reagir, capacidade para enxerga-se no outro e energia para ser feliz.
Aquele que busca ser, de fato, feliz, não tem tempo a perder com bobagens, com coisas pequenas, com tropeços ou eventuais dificuldades. Quem busca a felicidade, tem o olhar voltado para frente e, quando baixa os olhos, é para olhar o estado de seu próprio umbigo para, em seguida, levantar a cabeça e prosseguir.
Quem quer ser feliz sabe que, se ficar para trás, provavelmente será engolido pelo jacaré…
Quem quer ser feliz, olha sempre por sua própria janela e, ao olhar, percebe que muitas das coisas que vê, sempre estiveram lá, e que a diferença entre ser ou não ser feliz, não está propriamente nas coisas que vemos, mas sim na maneira como queremos vê-las.
“Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor… Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino… E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim” – Cecília Meireles.
Eugênio Maria Gomes – professor, apresentador e escritor.