Maria era casada com João e moravam em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais. Vida tranquila, em um lugar pacato, daqueles onde todos se conhecem. Ela, branca, ele, negro e, os filhos, uma mistura dos dois. Ele era motorista e, ela, uma cozinheira de mão cheia. Ninguém fazia um frango assado e uma macarronada como Maria fazia. O interessante é que tinha algo muito especial em seu jeito próprio de preparar os quitutes: ela usava muito as mãos ao cozinhar. Talvez, aquela macarronada só ficasse tão boa porque ela misturava o molho à massa, com as mãos. Chegava a ser bonito ver suas mãos trabalhando em uma bacia, levantando o macarrão com as duas mãos, em um movimento continuo, fazendo com que o molho se espalhasse, de forma homogênea, na bela macarronada. O frango? Ora, era partido com as suas próprias mãos. Aos poucos, coxas, asas, peito, enfim, cada parte do frango, ia se acomodando na vasilha, devidamente separados pelas mãos de Maria.
A vida corria lenta e tranquila para Maria e João. No domingo – ou quando chegava uma visita – lá ia a dona da casa preparar uma boa macarronada e um delicioso frango assado. Às vezes, vários frangos eram assados e muitos pacotes de macarrão cozidos, quando a família resolvia visitá-los. Mas, infelizmente, um dia João adoeceu e partiu dessa pra melhor. O enterro foi marcado para o início da tarde e, logo pela manhã, as pessoas começaram a chegar para o velório. Era muita gente, pessoas de perto e de longe, amigos, familiares e curiosos, comuns em cidades do interior de Minas, que chegam a chorar por defunto que mal conhecem.
Pois, bem, no caixão, inerte, lá estava João, com aquela cor negro-pálida, meio amarelada mesmo, deixando seus amigos e familiares tristes, muito tristes. Maria, chorosa, sentia falta do companheiro de tantos anos. Por volta das dez horas, a multidão presente na casa e na calçada, da casa de Maria, era muito grande. Maria, preocupada com o avanço das horas e o roncar dos estômagos, começou a dividir sua presença entre a sala – onde estava o caixão – e a cozinha. E assim, entre as dez horas da manhã, ao meio dia, daquela triste e ensolarada manhã, Maria não parou um segundo.
Impressionante como a viúva conseguia, com grande maestria, dividir os sentimentos de viúva chorosa com os de cozinheira prendada, ágil e preocupada em servir. De vez em quando Maria chegava à sala, se debruçava sobre o caixão, passava as mãos no rosto do marido, chorava e soluçava, para, em seguida, dirigir-se à cozinha e dar continuidade ao preparo de sua maior especialidade: a macarronada com molho vermelho e o frango assado.
João, inerte naquele caixão, aos poucos foi perdendo aquela cor amarelada, em uma pele opaca, morta. No começo, começou a aparecer um pouco de brilho e a pele, devagar, foi ganhando um pouco de cor. Por volta de meio dia, quando todos foram convidados a almoçar, a área da cozinha e o terreiro, nos fundos da casa, ficaram pequenos para tanta gente. Na sala, poucos ficaram ao lado do caixão de João que, naquele momento, estava corado, como se estivesse vivo. Poucas vezes se viu um defunto com tanto brilho, em uma face mais que rosada… João estava com a face avermelhada e brilhando, como se tivesse acabado de chegar da labuta, depois de ter tomado muito sol.
Na cozinha, todos saboreavam o frango – sempre partido pelas mãos ávidas de Maria – e a macarronada, também misturada com as mãos da viúva. É possível, que naquele dia, o frango tenha ficado com menos gordura e a macarronada com menos molho vermelho, face à quantidade deixada, por Maria, no rosto e nos braços do amado, a cada vez que chorava sobre o seu corpo.
O evento mostra o efeito que uma camada de óleo pode fazer para melhorar a aparência de um defunto… Imagine o que anda fazendo o óleo de peroba nessa turma cara de pau da política brasileira….!
Eugênio Maria Gomes é professor e pró-reitor do Centro Universitário de Caratinga – Unec -, diretor da Unec TV, membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni e presidente da AMLM – Academia Maçônica de Letras do Leste de Minas. Membro da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga, do Lions Clube Caratinga Itaúna e do MAC – Movimento Amigos de Caratinga. É o Grande Secretário de Educação e Cultura do GOB-MG.