CARATINGA – Para muitas pessoas a carta pode já ter virado artigo de museu. A tecnologia agilizou a forma de se comunicar à distância, mas valorizar o bom português não fica antigo nunca. O professor José Aylton de Mattos, do curso de História do Centro Universitário de Caratinga (Unec), que o diga! Há vários anos, ele se corresponde com um amigo desembargador de Minas Gerais por meio de cartas em forma de poemas.
“Além de ser uma forma de treinar regularmente o gênero poema e praticar incessantemente o uso da norma culta da língua, em integração com o texto coloquial, que é o que o poema nos permite, a carta é uma forma de preservar a identidade do bom português e celebrar a boa amizade de um jeito tão tradicional”, enaltece o professor.
Observamos, na atualidade, a linguagem transitando sob várias formas e meios. Na publicidade, nos quadrinhos, nos jornais, revistas, livros, na arte, nos filmes e nas novelas, lá está ela: viva! “Comunicando e dando seu recado de diferentes maneiras e gêneros, a linguística nos permite entender a linguagem como algo vivo, que se transforma para atingir seu grande objetivo: a comunicabilidade”, compara a professora de Linguística do curso de Letras do UNEC, Cláudia Cardoso.
No domingo (10), a Língua Portuguesa lembrou a morte do primeiro grande poeta clássico: Luís Vaz de Camões, que ficou imortalizado por obras como “Os Lusíadas”, escrita nos primórdios do português. Sobre a importância desse poeta para a Língua Portuguesa, José Geraldo Batista, doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora e que também leciona no curso de Letras do UNEC, concorda que “a data é importante para as nações lusófonas, que não podem deixar de falar do grande salto provocado pelo imortal Camões”.
José Geraldo descreve a história lusitana, lembrando que em seu retorno de viagem pela Europa, Sá de Miranda volta a Portugal todo contaminado pela cultura clássica italiana: com medida nova dos versos e apaixonado pelo soneto. “Contudo, quem se apropria de fato dessas novas práticas e com elas eleva a Língua Portuguesa a seu lugar de “Última flor do Lácio”, como disse Olavo Bilac, foi o arquiteto de Os Lusíadas (referindo-se a Camões)”.
O professor José Geraldo compara que “ao narrar os feitos de um herói coletivo – o povo português –, Camões narrou também as conquistas e expansão da Língua Portuguesa”. A importância de Camões e de Os Lusíadas é tão grande para a Língua Portuguesa, segundo José Geraldo, que “o memorável fenomenólogo Mircea Eliade, cientista poliglota romeno, fez questão de aprender a língua de Camões com o afinco de ler a epopeia no original”.
A linguagem é tão viva, como metaforiza a professora Cláudia, que como ser vivo se adapta aos diferentes meios pelos quais circula. Em algumas “tribos urbanas” essas variações são latentes, porque se encontram em nichos que “falam” diferente aos olhos da sociedade. Da nossa atualidade, talvez o Rap seja o grande movimento de contestação que tem na linguagem sua intrínseca ferramenta bélica. Nascido em meio à cultura de rua do bairro nova-iorquino do Bronx nos anos 1970, esse estilo musical tem propagado sua tradição mundialmente – ao menos como forma estilística -, tornando-se uma língua original aceita por diversos grupos.
“O caldeirão de diversidades étnicas e culturais uniu diferentes estilos musicais e de danças nas chamadas ‘House Parties’ (festas organizadas em casas), sendo um movimento inicialmente intimista, que rapidamente, devido à identificação dos jovens com o conceito de protesto e descontentamento social do Hip-Hop, se firma, surgindo assim as ‘Block Parties’ (festas ao ar livre), ganhando enorme repercussão nas décadas 80 e 90, tendo como precursores DJ Kool Herc, DJ Hollywood, DJ Africa Bambaataa, DJ Grand Master Flash e DJ Grand Wizard Theodore”, aprofunda-se o produtor cultural de Caratinga, João Paulo Silva.
As gírias, por exemplo, vêm e vão na mesma velocidade com a qual a sociedade muda, com a linguagem sendo a inquietante persona. “O MC seria a ‘consciência’, o pensamento do Hip-Hop, e é através das rimas de “Rap” que os MCs expressam seu descontentamento e suas necessidades sociais. Eles conseguem mostrar de várias formas suas reivindicações, angústias e injustiças com as classes mais desfavorecidas”, completa João Paulo.
Há algum tempo, os estudos sobre a linguagem têm demonstrado a importância do respeito com as variedades linguísticas. “Como tendemos a sair de um extremo e cairmos em outro, muitos entenderam o respeito às variedades como desnecessária à norma padrão, juntando-se a isso o avanço dos gêneros midiáticos, tais como Facebook e WhatsApp, que utilizam uma linguagem escrita muito próxima à língua oral. E o que vemos, em muitas ocasiões, é o uso indistinto das variedades não-padrão, mesmo em situações que a exigem, o que inclui o mercado de trabalho”, chama a atenção a professora Simone Sousa, outra a lecionar Língua Portuguesa e a disciplina de Estágio no curso de Letras do UNEC.
MERCADO DE TRABALHO
Nesse contexto comunicativo ligado ao mercado de trabalho, a professora Simone orienta os usuários sobre a necessidade do uso do português padrão, seja na modalidade oral ou escrita da língua. “Ao atender um cliente ou redigir os vários gêneros textuais que o mercado exige, tais como uma ata, um memorando, um ofício, entre outros, o emissor precisa usar a língua na variedade padrão, uma vez que o espaço ocupado pelo ‘locutário’ exige que ele demonstre conhecimentos exigidos pela gramática normativa, ou seja, concordâncias, regências e demais formalidades”.
Ela conclui o ponto de vista citando Evanildo Bechara: “As variedades da língua são como as roupas, para cada ocasião é necessário o traje adequado”.