Nos Estados Unidos da América existe um Conselho Nacional de Inteligência que redige relatórios, alguns de segredo máximo, para ajudar e orientar o governo na formulação de políticas públicas internas e também sobre a tomada de posição em diversos assuntos internacionais. Num destes relatórios este Conselho, tendo como base dados científicos, concluiu que o mundo está a caminho de uma séria e prolongada crise relacionada a água. Diariamente assistimos pelos meios de comunicação que em vários países, inclusive no Brasil, há secas prolongadas, nascentes e rios secando, aquíferos sendo bombeados e contaminados de forma irresponsável e preocupante – como é o caso do Aquífero Guarani -, agitação social pela posse e uso de água, etc. No mês passado assistimos pela televisão que na cidade do Cabo (África do Sul), os seus quatro milhões de habitantes estão esperando o chamado “Dia Zero”, quando a água poderá desaparecer nas torneiras das residências e do setor produtivo que, certamente, vai constituir-se numa verdadeira “hidrocatástrofe”!
Ainda, em relação a esta iminente crise hídrica, os dados divulgados pela ONU são assustadores: dos 7,6 bilhões de habitantes de nosso planeta, 1 bilhão não conta com mais abastecimento mínimo diário (20 l); 1,6 bilhões vivem em áreas que não tem condições mínimas de captação de água; já 2 bilhões residem em regiões onde há escassez de água. Outros dados estarrecedores: há lugares onde 66% da população, durante um mês ao ano, tem escassez de água; mais de 3,5 bilhões de pessoas, daqui a treze anos, viverão em condições de alto stress hídrico!
Esta instabilidade em relação a água já compromete, de forma significativa, países que atualmente passam por grande crescimento, como é o caso da China e da Índia. Suas economias serão impactadas o que poderá provocar instabilidade social e política. Mesmo a maior potência do Mundo, EUA, em seus estados localizados a oeste, a insuficiência de água já está provocando crises de proporções imagináveis na produção agrícola, gerando desemprego, abalando o abastecimento interno e aumento no preço dos produtos produzidos no campo.
Parte da crise hídrica que hoje acontece em diversos países do mundo, e o Brasil é um bom exemplo, poderia ser controlada e evitada. Em nosso país a gestão da água constitui-se em sinônimo de incúria e de incompetência administrativa, seja nas instâncias da União, dos Estados e dos municípios. É uma vergonha que na nona economia mundial, 45% de toda a população não recebe qualquer tipo de tratamento de esgoto, aumentando os índices de poluição, contaminação dos rios, dos lagos e dos mananciais de abastecimento humano, com reflexos imediatos nas condições de saúde. Este passivo obrigará, até o ano de 2035, a necessidade de investimentos da ordem de R$ 150 bilhões para garantir a todos acesso ao serviço de saneamento básico adequado que certamente não acontecerá.
O poder público tem que preocupar-se, sim, com as demandas da sociedade, como saúde, educação, segurança, emprego etc. mas, sobretudo com a água porque ela é um bem comum, fonte inesgotável de vida e imprescindível para a manutenção de nossos ecossistemas, dinâmicas naturais e para a existência da humanidade!
Neste dia de reflexão sobre os sérios problemas em relação a água, não podemos nos esquecer do que aconteceu no dia 5 de novembro de 2015, quando houve o pior desastre ambiental do Brasil, com o maior vazamento de rejeitos minerais do mundo, com o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG). Foram mais de 40 bilhões de litros de lama despejados em cima do Subdistrito de Bento Rodrigues, nos afluentes e também nos 650 km percorridos pelo tsunami de lama pela calha do Rio Doce, até desaguar no mar, na localidade de Regência (ES). No último dia 12 de março, ainda na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, aconteceu outro sério desastre ambiental, quando a tubulação do mineroduto Minas-Rio, da Anglo American Minério de Ferro S.A., se rompeu no município de Santo Antônio do Grama, na Região da Zona da Mata mineira, despejando uma grande quantidade de polpa de minério, atingindo as águas do Ribeirão Santo Antônio, que deságua no Rio Casca que, por sua vez é afluente do Rio Piranga, um os formadores do Rio Doce. Este desastre interrompeu a captação e o abastecimento de água para cerca três mil e quinhentas pessoas da cidade. Até quando estes sinistros continuarão acontecendo nesta importante e estratégica bacia hidrográfica brasileira?
Coube ao sociólogo alemão Ulrich Bech a formulação da frase “Pensar globalmente e agir localmente”. Estamos preocupados, sim, com a água na escala mundial, como ficou demonstrado através dos números acima ciados, mas neste Dia Mundial da Água é de fundamental importância que voltemos nossa atenção para o que estamos fazendo com os córregos, ribeirões e com o rio Caratinga que passam pela área urbana da cidade. Isto é uma prova cabal do descaso e da irresponsabilidade dos governantes, dos empresários e também da sociedade com a água.
Wilson Acácio, professor aposentado (UFJF); mestre em Geografia (UFRJ); representante da Doctum no CBH Caratinga, onde é vice-presidente; membro da Diretoria Colegiada do CBH Doce e também do FMCBH (Fórum Mineiro dos Comitês de Bacias Hidrográficas).