Muitas pessoas dizem que a internet é terra sem lei. No entanto, não é bem assim e quem se relaciona virtualmente sem responsabilidade pode responder pelos seus atos, como explica Frederico Fernandes Dutra, professor das Faculdades Doctum nas unidades de Caratinga e de Manhuaçu, advogado na MSF – Advocacia e Assessoria Jurídica.
Conforme Frederico, espalhar notícias falsas, especialmente quando causam danos aos outros, tem sérias consequências no mundo jurídico. Mas, é preciso ter cautela em “não confundir punição com censura”.
O Brasil já tem mecanismos legais de combate às notícias falsas?
Sim. A atual legislação brasileira já regula as situações em dois aspectos. No primeiro deles temos que já existe, há décadas, as previsões no Código Penal a respeito de crimes contra a honra. Noutro aspecto, a Constituição da República, bem como o Código Civil, já preveem que caso alguém cause um dano a outrem, poderá ser obrigado a indenizar o outro no prejuízo que teve, incluído aí dano à moral, à imagem da pessoa ofendida, etc.
Quais são os riscos envolvidos em espalhar boatos caluniosos e informações falsas?
Os riscos são exatamente de ser denunciado e vir a responder por crime contra a honra, podendo ser condenado com detenção de seis meses a dois anos, bem como multa, a depender do tipo do crime. Estas penas podem até ser transformadas em outras menos gravosas, no entanto sempre existe a possibilidade de uma condenação criminal que fará com que o agressor deixe de ser réu primário. Como já dito anteriormente, pode ainda haver condenação cível no sentido de obrigar o agressor a indenizar financeiramente o ofendido. Estes valores podem ser altos, a depender de algumas circunstâncias a serem observadas pelo Poder Judiciário. Por outro lado, já existem aplicativos e sites especializados em identificar notícias falsas. O próprio Facebook já está trabalhando para coibir a propagação de notícias falsas em sua plataforma da internet.
Como o compartilhamento massivo do conteúdo falso e a criptografia usada em aplicativos de mensagens dificulta na identificação do autor das informações?
De fato as ofensas feitas em massa dificultam muito a punição de todos os ofensores, a ponto de existir hoje uma sensação de impunidade entre os internautas, devido à dificuldade de se identificar todos os agressores, mas isso acontece apenas nos casos que tomam proporção de comoção nacional. No entanto, devemos observar que esta sensação de impunidade está com os dias contados, porque cada vez mais teremos melhores instrumentos e instruções para identificar e processar ofensores na internet. Apenas como exemplo, no caso da recente execução da vereadora eleita pela cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco, existem advogados (as) voluntários recebendo “print’s” e endereços digitais de ofensas feitas à mesma, com o intuito de processar os ofensores. Inclusive o PSOL denunciou uma Desembargadora ao CNJ, pretendendo a punição da mesma por espalhar notícias falsas. O PSOL também pretende ajuizar Ação na Justiça. Veja bem, se até uma Desembargadora de Justiça pode ser punida, todos nós devemos ter cuidado com o que dizemos na internet. Além disso, a Polícia tem cada vez mais profissionais especializados em investigar e identificar os ofensores, lembrando sempre que o ofendido deve levar até a polícia o “print” e a URL (endereço eletrônico) da página onde a ofensa foi proferida. Noutro aspecto, existe uma dificuldade especial de identificação quando as notícias são espalhadas pelo WhatsApp, tendo em vista que este aplicativo é criptografado. Também porque as sedes destas empresas são no exterior e isto dificulta o trabalho da Polícia e do Judiciário em investigar as origens das mensagens. De certa forma isso protege quem inicia o boato. No entanto, para o cidadão comum que está apenas a espalhar as notícias falsas, o mesmo deve observar que qualquer pessoa do grupo de WhatsApp pode levar a notícia para a polícia e denunciar, e assim todos os envolvidos com o repasse da notícia falsa podem ser responsabilizados civil e criminalmente. O cidadão tem a sensação de que está dizendo as coisas apenas para um grupo de amigos, mas se esquece que o que foi para a internet nunca mais é apagado, bem como se esquece de que amigos de hoje podem não ser mais amigos amanhã.
Existem projetos de leis apresentados no Senado e na Câmara para criminalizar em geral as fake news. O senhor concorda que essa seria a medida ideal para coibir tal prática?
Sim, existem projetos de Lei que visam tratar da matéria especificamente. No entanto, devemos nos lembrar que o objetivo é aprimorar a legislação para conseguir punir melhor os agressores. Nesse ponto, deve-se ter o cuidado de não confundir punição com censura. A nossa Constituição proíbe a censura e o entendimento é de que não há como, legalmente, impedir que uma pessoa exponha seu pensamento. A liberdade de expressão é ampla, neste sentido. No entanto, a Lei pode definir consequências cíveis e criminais para quem ofende as outras pessoas, o que já é regra há décadas. Quer dizer que a liberdade de expressão existe, mas encontra limites nos direitos dos outros, especialmente quando se trata de direitos fundamentais de todos os cidadãos, como, por exemplo: o direito de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política; a intimidade a vida privada, a honra e a imagem das pessoas; a dignidade da pessoa humana etc. Enfim, espalhar notícias falsas, especialmente quando estas causam danos aos outros, tem sérias consequências no mundo jurídico. E para finalizar, quer-se dizer, com isso, que pode haver o aperfeiçoamento das Leis e que isso é uma coisa bem vinda, além de ser natural do processo de evolução do Direito. Porém, devemos nos lembrar de que as Leis atuais já conseguem punir quem ofende os direitos dos outros na internet.