* Glauco Gomes de Arantes
É frequente encontrar no consultório queixas relacionadas à queda de rendimento escolar ou profissional, sonolência excessiva diurna e tendência ao cochilo. Tal queixa ocorre em qualquer faixa de idade, desde a criança até o idoso. Quando qualquer queixa surge durante uma consulta ela deve ser investigada criteriosamente para que encontremos a origem de tal problema. Muitas vezes chegamos à conclusão que o paciente dorme pouco porque fica muitas horas conectado, seja nos aplicativos de bate papo como o WhatsApp, bisbilhotando a vida alheia no Facebook ou em jogos online.
A tecnologia de mídia, ou seja, a internet, causa alteração na vida das pessoas não só pelas alterações de sono, mas também pelo tempo gasto com ela. Um estudo observou que alunos de uma universidade checa tinha grande tendência à procrastinação de seus trabalhos acadêmicos quando usavam o Facebook. Ficando só mais um pouquinho acabamos perdendo na noção de hora e gastamos muito mais tempo que o planejado, deixando as obrigações para depois.
A internet pode ainda impactar não só a vida produtiva, como também outros aspectos como a vida familiar facilitando a infidelidade, expondo excessivamente intimidades ou gastando-se muito tempo conectado e pouco tempo com os familiares.
Pode se tratar o modo de uso da internet como vício e isso começa a se tornar científico. Um artigo publicado em um jornal científico chamado World Psychiatry, em 2010, viu que áreas cerebrais de pacientes em abstinência de drogas ficavam mais estimuladas e essas mesmas áreas também ficam estimuladas em pessoas viciadas em internet que estavam impedidas de usar.
Mas quando podemos dizer que uma pessoa está viciada em internet? Podemos fazer um paralelo entre a dependência de drogas e cyberdependência. Um conceito muito básico de dependência a uma substância diz que é necessário a ocorrência de dois fenômenos: a tolerância e a abstinência. Assim uma pessoa viciada necessita de uma dose sempre um pouco maior para se satisfazer, esse é o fenômeno da tolerância, uma taça de vinho não satisfaz mais, é necessária uma garrafa, uma carreira de cocaína não deixa mais ligado, são necessárias várias e por aí vai. O próximo fenômeno é quando não consigo ou sou impedido por alguma situação de usar a droga, ai sinto falta dela, tenho reações em meu corpo, aumento de ansiedade, irritabilidade, insônia, sudorese, tremores e tudo isso passa quando consigo consumir a droga. Uma pessoa viciada em internet a utiliza paulatinamente um pouco mais, até ficar horas, até que as pessoas comecem a reclamar do tempo gasto conectado, aí surgem mentiras sobre o tempo conectado, comportamentos evitativos, substituições do contato pessoal pelo contato virtual e tentativas frustradas de reduzir o tempo gasto na internet. Esse é o análogo do desenvolvimento da tolerância. Um viciado em internet também desenvolve reações de abstinência, fica mais nervoso quando impedido de usar, sentem-se deprimidos ou ansiosos e com dificuldades no sono.
Longe de ser um grande mal, a internet é uma ferramenta utilíssima, com ela somos até capazes de salvar vidas. É, ao contrário, um grande bem, mas que contém em si potencialidades para o mal. Não creio que a internet tenha que mudar, mas é necessário que a usemos com sabedoria, ficando atentos ao mau uso, que pode ser identificado quando gastamos tempo demais com ela, temos problemas familiares, sociais ou profissionais por causa do tipo de uso, seja pelo tempo gasto ou pelo conteúdo dos sites.
No mais, “navegar é preciso”, como diria Fernando Pessoa.
_____________________________________________________________________
GLAUCO GOMES DE ARANTES é médico psiquiatra, membro da Loja Maçônica Caratinga Livre, Deputado Federal à Soberana Assembleia Geral Legislativa Maçônica, Editor do jornal OZZÉ! da Loja Maçônica Caratinga Livre e Membro Efetivo da Academia Maçônica de Letras do Leste de Minas – AMLM.