Ildecir A.Lessa
Advogado
O dia 8 de março é dedicado à comemoração do Dia Internacional da Mulher. O Dia Internacional da Mulher foi proposto por Clara Zetkin em 1910, no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas. Atualmente tornou-se uma data um tanto festiva, com flores e bombons para uns. Para outros é relembrada sua origem marcada por fortes movimentos de reivindicações políticas, trabalhistas, greves, passeatas e muita perseguição policial. No presente momento, está na pauta, uma situação criminosa preocupante, que é a violência contra a mulher, com estatísticas alarmantes. É uma data que simboliza a busca de igualdade social entre homens e mulheres, em que as diferenças biológicas sejam respeitadas, mas não sirvam de pretexto para subordinar e inferiorizar a mulher.
No campo do trabalho das mulheres, veio uma nova consciência do papel da mulher como trabalhadora e cidadã. Ao participar do II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhagen, em 1910, Clara Zetkin propôs a criação de um Dia Internacional da Mulher sem definir uma data precisa. Contudo, vê-se erroneamente afirmado no Brasil e em alguns países da América Latina que Clara teria proposto o 8 de Março para lembrar operárias mortas num incêndio em Nova Iorque em 1857.
Na década de 60, o 8 de Março foi sendo constantemente escolhido como o dia comemorativo da mulher e se consagrou nas décadas seguintes. A experiência do ‘amor livre’ nos primeiros anos pós-Revolução trouxe enormes conflitos que levaram à restauração do sistema de família regulamentado pelo contrato civil. Temas relativos ao corpo, à sexualidade, à reprodução humana, relação afetiva entre homens e mulheres, aborto, só foram retomados 40 anos mais tarde pelo movimento feminista.
O 8 de Março no Brasil vê-se repetir a cada ano a associação entre o Dia Internacional da Mulher e o incêndio na Triangle. É muito provável que o sacrifício das trabalhadoras da Triangle tenha se incorporado ao imaginário coletivo da luta das mulheres. Mas o processo de instituição de um Dia Internacional da Mulher já vinha sendo elaborado pelas socialistas americanas e europeias há algum tempo e foi ratificado com a proposta de Clara Zetkin. Nas primeiras décadas do século XX, o grande tema político foi a reivindicação do direito ao voto feminino. Berta Lutz, a grande líder sufragista brasileira, aglutinou um grupo de mulheres da burguesia para divulgar a demanda. Mas só veio a ser posto em prática com a queda da ditadura getulista e as mulheres brasileiras votaram pela primeira vez em 1945. Como as anarquistas americanas e europeias, as brasileiras (imigrantes ou não) defendiam a luta de classes, mas também o divórcio e o amor livre, como escrevia A Voz do Trabalhador de 1° de fevereiro de 1915.
O feminismo dos anos 60 e 70 veio abalar a hierarquia de gênero dentro da esquerda. A luta das mulheres contra a ditadura de 1964 uniu, provisoriamente, as feministas e as que se autodenominavam membros do ‘movimento de mulheres’. A uni-las, contra os militares, havia uma data: o 8 de Março. A comemoração ocorria através da luta pelo retorno da democracia, de denúncias sobre prisões arbitrárias, desaparecimentos políticos. A consagração do direito de manifestação pública veio com o apoio internacional – a ONU instituiu, em 1975, o 8 de Março como o Dia Internacional da Mulher. Entrou-se numa nova etapa do feminismo. Mas, com tudo isso, na atualidade os dados no Brasil de violência contra a mulher são alarmantes. Foram 4.254 homicídios dolosos de mulheres em 2018 e houve um aumento de 12% no registro de feminicídios em relação a 2017, ou seja, de casos em que mulheres foram mortas em crimes de ódio motivados pela condição de gênero. O Brasil figura como um dos países mais violentos do mundo para as mulheres. A proteção legal para enfrentamento da violência contra a mulher foi se consolidando ao longo dos anos. Lei Maria da Penha em 2006, da mudança na lei de estupro em 2009, a lei do feminicídio em 2015, e a lei de importunação sexual de 2018. Mas é fato que as políticas públicas para evitar a ocorrência desses crimes e até mesmo garantir o cumprimento dessas leis punitivas ainda se mostram frágeis. A agressão contra as mulheres ganha várias matizes. Transpassa a agressão física ou psicológica no lar e penetra nos ambientes de trabalho, seja com assédio moral, desrespeito de toda ordem, até a gritante diferença salarial no exercício da mesma função e cargo que um colega homem. Urge uma mudança radical. O Dia Internacional da Mulher não é apenas uma data para ganharem parabéns, beijos, abraços e uma flor, mas sim aplausos. As mulheres precisam receber em todos os demais dias do ano, aplausos por serem lutadoras, construtoras, par a par com os homens, da nossa sociedade.
O importante é que nesta sexta-feira comemorou-se mais um Ano Internacional da Mulher, onde a violência contra a mulher deve desaparecer para sempre, permanecendo as grandes conquistas que serão sempre lembradas e louvadas, honrando sempre as mulheres, a maioria da sociedade brasileira, sem as quais o Brasil não anda.