AUTOS N.º: 0024.12.072.766-4
REQUERENTE: HÉLIO GOMES ALVES
REQUERIDO(A): VOGA COMUNICAÇÃO – DIÁRIO DE CARATINGA
ESPÉCIE: RESPONSABILIDADE CIVIL
-SENTENÇA-
Vistos, etc.
1 – Relatório
Trata-se de ação de indenização por danos morais c/c pedido de direito de resposta em tutela antecipada ajuizada por Hélio Gomes Alves em face de Voga Comunicação Ltda – Diário de Caratinga, ambos qualificados nos autos.
Consta da inicial que: (i) a ré publicou em 13/11/2011 uma reportagem estampada na capa de seu impresso diário intitulada “Deputado Hélio Gomes suspeito de participar de cartel de combustível”; (ii) referida reportagem foi escrita como “denúncia” fazendo referência ao autor como líder do que denomina ser um “esquema” para venda de combustíveis; (iii) a matéria também foi publicada no site da ré; (iv) em nenhum momento o autor foi procurado para se pronunciar acerca das alegações trazidas pela reportagem, em que pese a matéria constar – ao final – que o autor não foi localizado para falar sobre o assunto; (v) restou evidenciado o objetivo da ré em denegrir a imagem e o bom nome do autor; (vi) os fatos alegados na reportagem não passam de meras suposições, em alegações absurdas, desprovidas de qualquer indício de veracidade. Discorre sobre o direito alegado, requerendo, em conclusão, a procedência do pedido na forma exposta à f. 13. Juntou os documentos de ff. 15/50.
Às ff. 52/54 restou indeferido o pedido de antecipação de tutela.
Citada (f. 56), a ré apresentou contestação e documentos às ff. 57/67.
Conta da peça de defesa que: (i) não se vislumbram quaisquer hipóteses de responsabilidade civil da requerida, visto que exerceu fielmente seu dever de informar, nos ditames do art. 5º, IV e IX da CF/88; (ii) a requerida baseou-se em fontes seguras a fim de resguardar os interesses dos envolvidos na reportagem, sendo certo que o requerente, em momento algum teve violado seu direito constitucional à proteção à sua honra, dignidade e decoro; (iii) a ré não praticou qualquer conduta ilícita, censurável ou reprovável, conforme amplamente demonstrado; (iv) não ficou caracterizado dano sofrido pelo requerente; (v) em caso de condenação, esta deverá ser suficiente para acalentar o ofendido, mas impedindo o enriquecimento ilícito. Em conclusão, requer a improcedência do pedido.
Impugnação à contestação às ff. 68/78.
Instadas a especificarem provas, a parte autora pugnou pelo julgamento antecipado da lide (f. 80) ao passo que a ré quedou-se inerte (f. 80v).
Termo de audiência de conciliação à f. 82, sem acordo entre as partes.
Em sede de memorais, o autor reiterou os termos da inicial. A ré, ausente em audiência, quedou-se novamente inerte conforme certificado à f. 82v.
É o relatório. Decido.
2 – Fundamentos
A pretensão do autor ao manejar a presente ação consistiu no reconhecimento de seu direito de imagem, o qual alega ter sido violado com a publicação de reportagem jornalística pela ré, pretendendo a condenação desta em danos morais.
Não foram arguidas preliminares. Partes legítimas e bem representadas, inexistindo nulidades ou questões processuais pendentes, razão pela qual passo ao mérito.
A Constituição Federal assegura a compensação pelo dano moral, mais precisamente no seu art. 5º, incisos V e X, ao dispor que:
“V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
Conquanto a enumeração das hipóteses previstas nos incisos mencionados seja exemplificativa, o julgador não deve afastar-se das diretrizes nela traçadas. Assim, para evitar abusos, somente afigura-se dano moral a dor, o constrangimento e a humilhação intensas e que fujam à normalidade, interferindo de forma decisiva no comportamento psicológico do indivíduo.
Nesse diapasão, mero dissabor não é objeto de tutela pela ordem jurídica. Do contrário, estaríamos diante da banalização do instituto da reparabilidade do dano extrapatrimonial, que teria como resultado prático uma corrida desenfreada ao Poder Judiciário, impulsionada pela possibilidade de locupletamento às custas dos aborrecimentos do cotidiano. Tal prática, altamente censurável, deve ser repudiada, sob pena de fomento à famigerada “indústria do dano moral”.
Prosseguindo, para que uma matéria jornalística possa caracterizar ato ilícito, deve ficar caracterizado abuso no exercício do direito de informação, de forma a transmudar a sua finalidade a ponto de que possa ser caracterizada como instrumento de calúnia, injúria ou difamação.
Quanto aos danos morais, tem-se que as regras civilistas são inequívocas ao estabelecer que somente haverá responsabilidade subjetiva com a ocorrência simultânea da culpa, dano e nexo de causalidade.
O ato ilícito subjetivo caracterizado como imperativo categórico e de onde se extrai o elemento culpa para aferir a indenizabilidade do dano ou não, na esfera da extrapatrimonialidade, precisa restar evidenciado nos autos.
Especificamente, o autor alega ter sofrido danos à sua imagem em razão das afirmações constantes da reportagem publicada pela ré, fazendo referência a ele como suspeito de liderar o cartel de combustível.
Inicialmente, impende esclarecer o conceito de cartel, como sendo “acordo comercial entre empresas, que se organizam numa espécie de sindicato para impor preços no mercado, suprimindo ou criando óbices à livre concorrência.” (http://www.dicionariodoaurelio.com/Cartel.html)
Pois bem, necessário extrair – da matéria publicada pela ré – os trechos que fazem referência ao autor:
“…Depois de quinze dias de trabalho investigativo chegou-se a conclusão de que o deputado estadual Hélio Gomes, proprietário de uma rede de postos de combustíveis, é suspeito de liderar o cartel, e é o mais beneficiado com o esquema. O parlamentar é dono do Posto São Rafael, localizado às margens da rodovia BR-116 em Caratinga um dos estabelecimentos beneficiados. Outro posto, que pertence ao deputado, com base em Governador Valadares pode ser a base de todo o esquema. O Posto Planalto é um dos maiores fornecedores da Prefeitura Municipal de Governador Valadares.”
E prossegue:
“A seguir você leitor, verá como funciona o esquema do Grupo Hélio Gomes e quando uma concorrência existe os preços caem e o consumidor é beneficiado. (…) Na semana passada, precisamente no dia 4 de novembro ficou comprovado que o preço praticado pelo grupo Hélio Gomes, no Posto São Rafael, em Caratinga, está, no mínimo sob suspeita de liderar um cartel e até mesmo pagar o prejuízo do grupo, onde encontra concorrência…” (f. 22)
Por fim, a matéria trouxe a imagem do autor e cupons fiscais – corroborando os preços ali informados –, além da opinião do Ministério Público, o qual esclareceu que “a partir das informações e das notas, não é possível afirmar que há cartel em Caratinga, pois a diferença de preço depende muito, por exemplo do frete para cada lugar..”.
Nesse contexto, após detida análise dos autos, não se pode olvidar os aborrecimentos experimentados pelo autor, porém, não há prova nos autos de qualquer constrangimento ou danos à sua integridade psico-física, não sendo admissível dar ao fato a extensão por ele pretendida de abalo em seu mais íntimo sentimento ou moral.
Impõe-se diferenciar o aborrecimento do dano moral indenizável – conforme já exposto anteriormente –, este sim, ensejador de uma reparação com natureza eminentemente compensatória, e amenizante dos efeitos sofridos pela lesão causada, o que definitivamente não se evidenciou no presente caso.
Não se pode banalizar a questão do dano moral acolhendo-se qualquer situação como ensejadora de ser valorada materialmente para compensar e reparar o mal eventualmente sofrido.
E o presente caso, a meu ver, não retrata qualquer afronta à dignidade ou honra do autor, em sua essência humana, mas tão somente uma experiência de desagrado e desgosto, não indenizável.
Neste sentido Sérgio Cavaliere Filho, em sua obra “Programa de Responsabilidade Civil”, 5ª edição, Malheiros, 1996, p. 76, ensina:
“Só deve ser reputado como dano moral a dor, o vexame, sofrimento, humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, ao ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenização por triviais aborrecimentos.”
A esse respeito já decidiu o STJ, verbis:
“Nos termos dos dispositivos legais invocados pelo Autor, responde por danos morais e à imagem quem cause dano. No entanto, não houve, no caso, dano causado ao autor, mas tecnicamente, simples incômodo ou desconforto pela exposição do lado negativo da figura pública. Portanto, não há o que indenizar ao autor.” (Relator: Ministro MASSAMI UYEDA. REsp 1021688 / RJ. DJ:23/06/2009)
Ademais, em que pese a matéria indicar a liderança do autor no esquema de cartel de combustível, ao mesmo tempo trouxe o esclarecimento do MP no sentido de que não restou evidenciado o referido esquema pelas informações e documentos referidos na matéria publicada.
Assim, não há falar em dever indenizatório no caso.
Todavia, ainda que a notícia não tenha sido apta a ensejar dever indenizatório, trouxe informação tendenciosa que deve ser corrigida, ensejando assim o direito do autor em ver publicado no jornal, a informação verdadeira.
O art. 5º, inciso V da Constituição Federal assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo.
Assim, tendo a ré noticiado fatos incorretos – já que ao mesmo tempo em que coloca o autor como suspeito de liderar o cartel e como o maior beneficiado do esquema, traz a opinião do MP afastando a configuração da conduta criminosa –, e, com isso, gerado uma informação errônea aos seu leitores, deve publicar notícia constando o equivoco ocorrido procedendo a veiculação de informação de acordo com a realidade, qual seja, de não caracterização de cartel de combustíveis envolvendo o autor, bem como os postos de sua propriedade.
3 – Dispositivo
Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, nos termos do art. 269, I c/c 459, caput, ambos do CPC, para:
1 – DETERMINAR que ré publique – via impressa e online – a resposta do autor na forma requerida à f. 13, item 1; e,
2 – JULGAR IMPROCEDENTE o pedido de indenização por danos morais.
Ante a sucumbência recíproca, deverá a autora suportar o pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (art. 20, §4º, do CPC), além de 50% das custas processuais.
A ré, de igual forma, deverá pagar 50% das custas processuais, e honorários advocatícios sucumbenciais, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (art. 20, §4º, do CPC).
Os honorários advocatícios deverão ser compensados entre si (art. 21, caput, do CPC e Súmula 309 do STJ).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Belo Horizonte, 03 de setembro de 2013.
JOÃO LUIZ NASCIMENTO DE OLIVEIRA
JUIZ DE DIREITO – 33ª VARA CÍVEL