50 CENTAVOS. NOME DA CORRUPÇÃO

Ildecir A. Lessa

Advogado

No Jornal Diário de Caratinga de domingo passado (1º de maio), foi publicado um artigo da aluna Isadora Sofia da Escola Professor Jairo Grossi, com o título: 50 centavos, cujo teor reproduzimos: “O melhor do Brasil é o Brasileiro.” Não, não é não. Não é mesmo. O problema do Brasil é o tal do brasileiro. E que problema. Mas não os culpo, não nos culpo. O Brasil “nasceu” da lama. Há em algum momento da história do Brasil que não houve corrupção? Procure. Não ache. O Brasil é fruto da corrupção. De Vera Cruz à Brasil. Está no sangue, dessa cultura miscigenada, o seu “jeitinho”. E que jeitinho hein? Hoje, há todo esse alvoroço de político corrupto, político ladrão… E o povo, é santo? Nem perto. Como reclamar da corrupção dos governantes se você faz o mesmo? “Mas o que você está falando, eu não faço isso!” Pois bem… Você fura fila? Sonega imposto? Aposenta por invalidez, sem ser invalido? Não devolve o troco errado? Tem “contatos” para ganhar “vantaginha”? Fica devendo no boteco? Inventa mentiras para se ausentar do trabalho? Favorece parentes e amigos próximos (nepotismo)? Não procura o dono ao encontrar uma carteira perdida? É. Então. Se alguma das respostas dessas perguntas for sim, você é sim, corrupto. E é esse cidadão, que quer levar vantagem diariamente, que vira o político corrupto, o tal do ladrão que ele mesmo critica. É isso mesmo. O político que rouba milhões começou assim, ficando com 50 centavos a mais de troco. A corrupção no Brasil é uma sarna que não tem banho que tire. Como diria Raul Seixas, “A solução é alugar o Brasil”. Isadora Sofia Aluna da Escola Professor Jairo Grossi.

O texto do artigo me chamou a atenção, por se tratar de uma estudante adolescente e por isso mesmo, acho oportuno analisá-lo. E, partindo da análise textual, fazendo dele uma série de perguntas onde as respostas fornecem o conteúdo da mensagem, como: “o Brasil nasceu na lama”, “o Brasil é fruto da corrupção”.  É difícil saber se antes do Descobrimento do Brasil nossos índios já cometiam falcatruas contra tribos inimigas. Diversos grupos indígenas da América do Sul, como os tupis do nosso litoral, praticavam a tapiragem, uma técnica para alterar o colorido original da plumagem das aves de estimação, deixando-as com o aspecto justamente de que foram “pintadas à mão”. Parece corrupção! Em 1549, Pero Borges desembarcou na Bahia, na comitiva do primeiro governador-geral da colônia, Tomé de Sousa. Foi nomeado ouvidor-geral do Brasil, cargo equivalente hoje ao de Ministro da Justiça. Seu salário foi estipulado pelo rei D. João III, em 200 mil réis por ano e conseguiu receber toda essa quantia antes mesmo de embarcar. O problema maior é que, às vésperas de vir ao Brasil, Pero Borges estava envolvido em um superfaturamento de uma obra em Portugal. Isso é corrupção. Nos escritos de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda, Formação do Brasil contemporâneo, de Caio Prado Júnior, existem relatos de corrupção, basta ler. Diz ainda, no final de seu texto Isadora: “A corrupção no Brasil é uma sarna que não tem banho que tire”. Realmente, ela foi classificada pela própria presidente Dilma Rousseff como uma “senhora idosa”, a corrupção, segundo ela, pode estar em todo lugar. E assim, pergunta-se: será que o brasileiro está realmente acostumado a cometer deslizes morais e éticos e talvez nem perceba quando está corrompendo ou sendo corrompido? O texto de Isadora chama a reflexão seguinte: se você quer o fim da corrupção e já se viu cometendo algum desses atos, pense bem, você pode ser um corrupto. Isadora fez o dever de casa: falou sobre sonegação de Imposto de Renda, que causa bilhões em prejuízo ao governo federal anualmente. Na hora de declarar aquela despesa, muitos brasileiros costumam utilizar notas que não se enquadram ou tentam arranjar dependentes para que a mordida do leão seja mais leve. Se você não tem, deve conhecer alguém que possui uma carteirinha de estudante falsificada. “O ingresso é muito caro”, dirão alguns, tentando justificar seu ato de corrupção.

No exercício do texto de Isadora, a palavra chave, foi corrupção. Deve-se, portanto, buscar a definição da palavra corrupção: “etimologicamente, corrupção deriva do latim rumpere, equivalente a romper, dividir, gerando o vocábulo corrumpere, que, por sua vez, significa deterioração, depravação, alteração, sendo largamente coibida pelos povos civilizados” (GARCIA, 2008). Atentando-se à etimologia do termo, não é difícil concluir os efeitos dos atos corruptos: eles corroem os fios que compõem a teia ética que conforma a vida em sociedade e, por consequência, comprometem a integridade do organismo social. A corrupção é um fenômeno maléfico extremamente complexo sobre o qual se dedicam várias áreas do conhecimento com o objetivo de compreendê-lo, de analisar seus efeitos e, sobretudo, de combatê-lo. Em outros termos, a conceituação da corrupção muda conforme a perspectiva do autor ou do ângulo científico em que é vista: pelo jurista, pelo teólogo, pelo sociólogo, cada uma a define de um modo. Pode-se falar em corrupção sob as perspectivas política, moral, religiosa, penal, social, internacional ou administrativa. A partir de cada uma delas, chega-se a uma realidade distinta. Corrupção está associada à ideia de desonestidade, de imoralidade, de enriquecimento ilícito e de desvio de poder e é nesse sentido que se pauta a analise deste artigo. Na linha da história, a corrupção se confunde com a história da humanidade. Pode-se encontrar referências ao fenômeno no Código de Hamurabi, no Reino da Babilônia (XX a.C.), no Reino do Egito (XIV a.C.) e na Bíblia”.  Os filósofos da Grécia Antiga já se dedicavam ao tema. Aristóteles, em Ética a Nicômaco, já discorria sobre a corrupção na polis. Foi na era clássica do Direito Grego, caracterizada pela aparição da cidade-estado, polis, e da democracia direta que surgiram os delitos de funcionários contra a Administração Pública. Eram tipificados o peculato, a corrupção e o abuso de autoridade, aos quais se cominavam penas gravíssimas, inclusive a de morte. O filme Gladiador (2000) destaca, de maneira explícita, a corrupção no Senado romano no período do Baixo Império (Século II), sendo salientado pelo Imperador que sua dissolução não seria sentida pelos romanos, ante os inúmeros escândalos de corrupção envolvendo os senadores. O que se observa é que a corrupção vem se desenvolvendo na mesma proporção que se desenvolve a sociedade. Quanto maior o número de relações humanas, mais propícia a ocorrência de um ato corrupto. Desde a expansão marítimo-comercial essas relações vêm aumentando vertiginosamente, passando pela Revolução Industrial, que mudou radicalmente a divisão do trabalho e aumentou a circulação de riquezas. Hodiernamente, a corrupção passou a ser uma preocupação global, tanto que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a necessidade de desenvolver um instrumento jurídico contra a corrupção  Após todos os trabalhos, em 9 de dezembro de 2003 foi assinada a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – UNCAC2 (CGU, 2008). Desde então, o dia 9 de dezembro foi escolhido como o Dia Internacional de Combate à Corrupção. A omissão é, talvez, a forma de corrupção mais vista na nossa sociedade. Todo brasileiro se omite. Deixamos de denunciar tudo o que vemos de errado, deixamos de ajudar aqueles que necessitam da nossa ajuda, deixamos de devolver aquilo que sabemos que não é nosso, e entre outras omissões comuns. Não só não denunciam, mas até votam naqueles que se corrompem “escrachadamente”. O desvio é relacionado ao abuso em partes. É quando devida função ou recurso, seja ele público ou privado, é desviado por aqueles que o administram para se beneficiarem. É como o administrador que desvia o patrimônio daquilo que administra para si, ou o político que dá cargos de confiança para parentes. É o uso de patrimônio alheio do qual administra para si. Podemos relacionar as três modalidades de ação aos costumes tupiniquins modernos, que desobedecem todos os seus deveres a favor de beneficiar-se, mas requer seus direitos baseando-se no nosso ordenamento jurídico. É como uma relação de dualidade entre o Legal e o Ilegal, do jovem delinquente que reclama dos abusos da polícia, ou do terrorista que anseia pelos direitos humanos. Mais uma vez, a lei é usada em benefício próprio, apenas, pelos “macunaímas” e “Leonardos” (Do romance Memórias de um Sargento de Milícias). Provavelmente ninguém parou para pensar o quanto afeta na sociedade essa mentalidade anômica, dessa carência de preceitos morais e éticos, sempre em busca da vantagem própria. É a “Lei de Gérson” aplicada, talvez uma frase infeliz do ex-jogador para o momento, mas que reflete em totalidade como funciona a política no Brasil, até porque fazer política não é exclusividade parlamentar, mas um dever de todo cidadão, segundo disposto no parágrafo único do Artigo  da Constituição Federal: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

A lição do artigo da estudante Isadora Sofia, vale mais do que 50 centavos. Vale ouro! Parabéns Isadora Sofia.

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