ROZITA E SUA MISTERIOSA ÉGUA
- Eugênio Maria Gomes
Jurandir, casado com Marieta, profissional autônomo do comércio de badulaques em uma rua destinada aos camelôs, resolveu que iria aproveitar a oportunidade para entrar na universidade, até porque alguns conhecidos seus haviam conseguido este intento, através do PROUNE – Programa Universidade Para Todos.
Juju – como é conhecido na comunidade – terminou o segundo grau através do Programa Supletivo EAD – Ensino Médio a Distância, especialmente destinado àqueles que não têm como fazer este ciclo do ensino no sistema presencial.
Pois bem, feita a inscrição e definidos o dia, horário e local das provas do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio -, Juju deu início à revisão de conteúdos e à atualização de seu conhecimento sobre temas atuais, com vistas à realização da prova de redação, uma das mais importantes do processo seletivo. Leu muitos jornais e folheou muitas revistas. Aliás, uma importante revista de circulação nacional foi a sua grande inspiração para escrever a redação. É que ele se lembrou da matéria de capa da revista no momento de redigi-la.
E Jurandir, o Juju da Marieta, usou toda a sua imaginação para falar sobre o mistério que envolvia uma tal de Rozita e a sua égua. Vamos ao texto de Juju:
“Naquele dia frio de mês de maio, enquanto eu tava discansando na rede da varanda da minha casa, vi passar uma égua. Era bem di tarde, quaze anoitesendo, e eu axei bem isquisito aquela égua pasando sosinha na porta da minha casa, rumo a uma matinha, onde ficava uma mina. Será que ela ia bebê lá, sujando a nossa água?
Di repente vinha atráz dela uma moçinha gritando, pedindo para a égua esperar. E nada da égua parar. A égua entrou na mata e a mocinha também entrou lá. Dispois eu ouvi outra voz chamano “Rozita! Rozita! Rozita!”…
Foi ai que eu tomei conhecimento do nome da tal mocinha: Rozita. Só que ela tamém entrou na matinha e nada de responder ao chamado. A voz parou de chamar “Rozita!” e Rozita ficou por lá muito tempo, muito tempo mesmo… Ela e a égua. Dispois de uns tempo, mais foi é muito tempo mesmo, Rozita saiu da matinha muntada na égua. Passou pela minha casa e nem respondeu quando eu falei: boa noite!
O que será que foi que aconteceu? O que Rozita e a égua foram fazer na matinha? Será que foram beber água? Mistério…
No outro dia, eu tava na rede dinovo, quando nun é que passou a égua correndo? Pois nun foi? A égua passou num galope, no rumo da matinha. Eu nem axei isquisito ela passar sosinha, porque sabia que atráz dela vinha Rozita… Num deu outra, Rozita vei gritando dinovo, pedindo pra égua esperar, mas nada da égua parar. Tamém num asustei quando ouvi alguem chamando “Rozita! Rozita! Rozira!”, porque eu ja sabia que alguem ia chamar “Rozita! Rozita! Rozita!”.
O que mi causou estranhesa mesmo foi que desta veiz as duas – Rozita e a égua – ficaram por lá foi muito mais tempo que no outro dia. Tamém axei outra coisa esquizita na volta, pois a Rozita num tava muntada na égua, mais sim puchando a égua pelo cabestro. Comprimentei quando elas pasaram na minha porta e di novo num responderam. Mais uma vez eu pensei: mais o que será que foi que aconteceu? O que Rozita e a égua foram fazer na matinha? Será que foram beber água? Mistério…
No tersseiro dia eu tava dinovo na rede, já bem ditardinha, quando ouvi uma voz chamano: Rozita! Rozita! Rozita!. Ué, a égua num passou, porque alguem tava chamano a Rozita? Direpente Rozita passou correndo na minha porta, muda, sem gritar para a égua parar. A voz parou de gritar “Rozita!” e a mocinha entrou na matinha. Ficou lá por pouco tempo e saiu. Passou por mim, num respondeu meu comprimento e eu fiquei de bobera sem intender nada. Já tava saindo da rede quando ouvi um trote… Era a égua. Ninguém tava gritando para ela parar e tamém ninguem tava chamano por Rozita.
O que tava acontecendo? Num sei. Porque Rozita entrou sosinha na matinha? Num sei. Porque a égua entrou lá tamém e saiu dipresa? Num sei. Nunca mais vi a égua, nunca mais ouvi a voz gritano “Rozita! Rozita! Rozita!” e nunca mais tamem vi Rozita puchano a égua ou muntada nela. Oceis hão de intender então porque que minha história chama ROZITA E SUA MISTERIOSA ÉGUA. Acinado: Jurandir, o Juju da Marieta”.
Pois bem, não sei se Jurandir conseguiu sua aprovação no ENEM. Quem sabe? Porém, achei a sua história, apesar de extremamente mal escrita, criativa. E pus-me a procurar nas principais revistas de circulação nacional a tal matéria de capa que tratava do tema “Rizita e o mistério de sua égua”… Encontrei a revista Veja, da semana passada, cuja chamada principal da matéria de capa foi: A ROSETTA E O MISTÉRIO DA ÁGUA. Uma reportagem que trouxe as informações sobre a sonda da missão Rosetta que pousou em um cometa formado por uma rocha gelada, que viajava pelo espaço a uma velocidade cem vezes maior do que uma bala de fuzil, a uma distância de 510 milhões de quilômetros da terra.
Sinceramente? Espero que o Jurandir tenha sido reprovado no ENEM e assim, poupado o já precário sistema educacional brasileiro da presença de um aluno despreparado para frequentar os bancos universitários. Será que foi? Arre Égua!
* Eugênio Maria Gomes é professor e escritor.